Como qualquer membro da classe média com cérebro, gosto de me sentir superior por não compactuar com o discreto charme da burguesia. Posso ver um vídeo da TV Folha e rir das pessoas que ganham mais de dez salários mínimos por mês e pedem menos impostos e o fim do governo democrático com o mesmo grau de alienação das pessoas que elas consideram alienadas, ou posso olhar com desprezo para vitrines milionárias de shoppings de luxo e indagar com meus botões quem diabos compra um vestido de nove mil reais, mas ultimamente tenho tentado remar contra a correnteza de ódio e chacota que presencio todo dia em problematizações desnecessárias e discursos difamatórios, que aparecem toda vez que eu ligo o meu computador. Tenho tentado, eu diria, entender um pouco do prazer e das motivações dessas pessoas que não conseguem a simpatia de ninguém a não ser delas mesmas. E foi no meio desse espírito de renovação e tolerância budista que acabei indo parar em uma feira de food-trucks na Pedreira Paulo Leminski no último final de semana.
O evento funcionava assim: mediante um módico ingresso de doze reais, com direito a meia-entrada, o participante poderia adentrar a um dos mais clássicos pontos turísticos da cidade e comprar comidas em porções pequenas produzidas em trailers e carrinhos dispostos como uma feira gastronômica de rua. Um piquenique a céu aberto e portas fechadas, portanto. O cardápio era do mais variado e requintado, que mesclava a sofisticação da haute-cuisine com a fuleiragem das comidas de rua: hot dog de carne-de-onça com mostarda de mel, hambúrguer de cordeiro com tapenade de azeitonas pretas, risoto de camarão, suco natural, sangria e outras coisas feitas à base de Jack Daniel’s. Tudo começando a partir de cinco reais – o preço de uma água mineral – e indo até 30 ou 40 reais. Para isso, era preciso enfrentar muitas filas: filas para comprar os ingressos de admissão, fila para comprar as fichinhas de dinheiro, filas para fazer o pedido e filas para, finalmente, pegar a comida (esta última, mascarada com o uso de painéis eletrônicos). Ninguém parecia se importar – eu já havia sido avisado que curitibanos têm uma predileção quase patológica por ficar em longas filas para qualquer coisa, mas aquilo parecia um pouco demais.
Em meio ao sol escaldante em pleno outono e entre os poucos lugares para sentar, um jazz misturado com música brasileira feito por figuras carimbadas da cena da cidade tentavam dar uma ambientação ainda mais luxuosa para a surpreendente balbúrdia cheirosa decorada com óculos escuros gigantes e camisas com brasões ou nomes de cidades dos Estados Unidos. Em uma tenda inflável anexa, a estrela da culinária saudável Bela Gil preparava, em uma aula-show, um prato altamente sofisticado com os ingredientes mais naturais que o dinheiro pode comprar. Transeuntes se acotovelavam em uma grande bancada para comprar chopes artesanais vendidos a dez reais cada copo de 300ml. Em um canto, uma “food bike” – exatamente, uma bicicleta de comida, conceito que une a descontração da rua a sustentabilidade alegórica da bicicleta, eu imagino – uma moça vendia brigadeiros gourmets tirados diretamente de um baú de palha na garupa de uma bicicleta cor-de-rosa com flores na cestinha da frente.
“Em uma tenda inflável anexa, a estrela da culinária saudável Bela Gil preparava, em uma aula-show, um prato altamente sofisticado com os ingredientes mais naturais que o dinheiro pode comprar.”
Todas aquelas pessoas, todo aquele palco, toda aquela comida e todo aquele dinheiro (e todo aquele jazz, mas não queria meter isso no meio) faziam a alegria e o prazer genuíno do fim de semana de uma elite curitibana da qual eu não faço parte, e duvido muito de que vá fazer algum dia, sendo eu um homem sem fins lucrativos regido pelo único signo da intransigência. Conseguia entender a simulação de uma feira de rua para ricos e o ambiente calculadamente montado para um público específico, mas não conseguia entender porque o fetiche do popular era tão forte para aquela gente. Seria a mesma motivação das festas juninas, em que todos se vestem com roupas remendadas, pintam um dente de preto para fingir que não gastaram três anos e alguns milhares de reais no ortodontista e imitam um sotaque que vem com palavras-chave propositalmente ditas erradas a tiracolo? Pensava nisso enquanto comia meu delicioso profiterole com uma colher de plástico em um pote de isopor sem chegar a nenhuma conclusão que me isentasse da culpa burguesa de comer bem em um ambiente improvisado que, em sua versão real, faz parte do cotidiano de milhares de pessoas. Fui embora da feira com a certeza de que defender o indefensável não chega a ser impossível, mas requer muito mais elevação espiritual do que a que eu tenho para oferecer no momento.