O soldado chega em casa, feliz, fardado. A família vem recebê-lo na porta de entrada, mas quem se antecipa e falha ao esconder a felicidade é o cão. Ele abana o rabo e se contorce com uma sinceridade comovente, e não sossega tamanho o contentamento de ter o dono de volta, vivo e inteiro, fardado e corajoso, pronto para esquecer os horrores da guerra no Oriente Médio e aproveitar os prazeres simples da vida, como estar em casa e acariciar seu animal de estimação. Todos riem, se emocionam, e o soldado, tão imponente e forte, se abaixa para receber demonstrações de lealdade e amor que ele acredita compartilhar com seu amigo de pelos.
Vídeos como esse já são um subgênero cinematográfico no YouTube. Há, de um lado, uma vontade enorme de filmar esse tipo de coisa, aparentemente, e, do outro, uma curiosidade de igual tamanho sobre essas vidas que colocam rostos no imperialismo norte-americano. Não são, afinal, ianques malvados e sedentos de sangue, criados em meio a cultura do eu, do corpo, da masculinidade exacerbada e da ostentação de grandes veículos beberrões, mas seres humanos felizes e amante dos animais, repletos de sentimentos simples, vivendo vidas simples casualmente apartadas por uma guerra necessária para frear o avanço de forças obscuras, vis, fanáticas e opressoras. São heróis rousseaunianos validados por esse claro monolito do bem no ocidente: um cachorro leal que venera o dono que volta da guerra.
A era da razão já era. Não há como justificar quase nada que acontece entre governos de forma racional e de maneira que pareça razoável para a maioria das pessoas. A guerra e seus horrores, exaustivamente documentados, seriam argumentos suficientes para que ninguém disposto a refletir cinco minutos apoie a destinação de verbas bilionárias para a indústria bélica, mas por sorte a propaganda existe para buscar concordância em outras instâncias da alma. E se o Tio Sam não evoca mais o sentimento patriótico de outrora, sempre haverá formas mais baixas de convencimento, o que não deixa de ser algo reconfortante, tendo em vista a potencial imprevisibilidade das massas.
Não há como justificar quase nada que acontece entre governos de forma racional e de maneira que pareça razoável para a maioria das pessoas.
Spielberg filmou Cavalo de Guerra, de 2011, a partir de um livro escrito para crianças. Nele, um cavalo passa pelas agruras da Primeira Grande Guerra e, ao longo de seu percurso, desperta nos humanos sentimentos demasiadamente humanos, a ponto de alguns questionarem os propósitos maiores das trincheiras. Os cães são cavalos de guerra às avessas, que abafam os questionamentos e estimulam soldados a rolarem no chão junto com eles. É tudo festa na volta pra casa, o importante é isso. E apenas isso.