As cenas acontecem rapidamente, como talvez, devessem mesmo acontecer em uma cozinha profissional. A ideia, entretanto, é explorar a culinária amadora. Uma mesma câmera, um mesmo ângulo. Ingredientes e processos diferentes. A vista inicial, quase sempre, é uma bacia de vidro, transparente, perfeita. Joga-se o que o coração desejar. Açúcar mascavo, vários ovos, manteiga, chocolate. Os elementos se misturam melhor do que o esperado. Um fué dá conta. Mais ovos, agora com essência de baunilha. Já se passaram dez segundos, faltam mais 50 para o vídeo acabar, mas o trabalho feito até aqui é enorme e a coisa já parece gostosa do jeito que está.
Mas espere. Ainda jogam gotas e mais gotas de chocolate. Um caminhão delas. Agora parece ainda mais gostoso. Uma colher de sorvete coleta pedaços que são dispostos em uma travessa lindamente forrada com papel manteiga. “Leve ao forno por 150 graus”, uma mensagem avisa. A seguir, um time-lapse da massa derretendo, se achatando, ganhando a forma e a cor de um biscoitinho dourado com gotas de chocolate. Ele são amontoados em um belo prato de porcelana branca e quadrada. Logo a seguir, várias mãos retiram os biscoitos da cena. Em um minuto, horas de cozinha se passaram.
Mas espere. Ainda jogam gotas e mais gotas de chocolate. Um caminhão delas. Agora parece ainda mais gostoso. Uma colher de sorvete coleta pedaços que são dispostos em uma travessa lindamente forrada com papel manteiga. “Leve ao forno por 150 graus”, uma mensagem avisa.
Quando não é um prato salgado. Esses precisam envolver os ingredientes favoritos de todos: muito queijo, bacon, qualquer tipo de pão, outros queijos, alguns temperos, mas sempre mais e mais queijos. A cena final, invariavelmente, envolve uma tira de queijo derretida ligando um pedaço da comida ao resto do prato. Nenhum vídeo tem mais de um minuto e meio. Nenhum deixa transparecer a dificuldade da práxis.
Fora dali, a vida segue com suas inadequações. Pratos grandes ou pequenos demais, proporções erradas, ingredientes de baixa qualidade, um forno que não se vigia, uma sujeira maior do que a esperada, a corrida rápida ao supermercado para comprar o que se esqueceu, a mistura que não foi tão bem misturada, a comédia dos erros. No fim, bem longe do ambiente asséptico, bem longe do final feliz, bem longe da facilidade forjada: não o prato final, mas uma versão dele. Uma realização contente, uma resignação triste, como o final de Casablanca. Não se pode desperdiçar.
— Tá meio duro, né?
— Tá. Mas tudo bem.