É muito difícil, para quem é adulto e está do lado de fora, levar a sério qualquer coisa relacionada a bullying. O fino processo de destruir a autoestima de uma pessoa é considerado o menor dos males em uma sociedade com pautas, digamos, mais urgentes, e não cabe aqui elenca-las em grau de importância. As únicas exceções são abertas quando se noticia o suicídio de algum pobre adolescente gay que não aguentou mais a pressão e as porradas dos colegas de escola, ou quando se descobre o assédio moral por trás de um dos cada vez mais frequentes tiroteios em colégios americanos. Apenas aí algumas pessoas – não muitas – resolvem pensar sobre o trauma de crescer diferente.
Mesmo sendo branco, heterossexual, classe média e todos os outros adjetivos considerados abomináveis que podem ser usados para me descrever, não escapei dessa prática. Morei três anos em Resende, na região serrana do Rio de Janeiro e, apesar de todo o carinho que tive de minha mãe e de meus avós, que moravam na mesma cidade, digo sem medo que foram os três piores anos da minha vida. Meus pais, preocupados com a minha formação intelectual, me colocaram em um colégio nobre de padres salesianos, infestado de adolescentes playboys desprovidos de qualquer empatia com o menino novo que, além de muito gordo, andava sempre de preto e ouvia rock (ao contrário do resto da população da cidade, que, à maneira da maioria das cidades do interior do Rio, gostava de pagode e funk).
Não adiantava. Qualquer coisa que eu poderia fazer para tentar crescer e aparecer – seja tocar guitarra na minha banda, escrever poesias ou textos politicamente conscientes –, aqueles estudantes estavam sempre rindo de mim e me ridicularizando. Só deixavam de fazer algo do tipo quando eu me tornava agressivo, e nisso acabei me metendo em algumas confusões que, graças a Deus, meus pais nunca ficaram sabendo.
Qualquer coisa que eu poderia fazer para tentar crescer e aparecer – seja tocar guitarra na minha banda, escrever poesias ou textos politicamente conscientes –, aqueles estudantes estavam sempre rindo de mim…
Faz pouco mais de uma década que saí de Resende. Me rodeei de pessoas boas em uma cidade que entende o meu estilo de vida e, por mais careta que às vezes seja, é cosmopolita o bastante para aceitar as diferenças. Mas carrego comigo tudo o que sofri, e eis o que isso trouxe para a minha vida: 1- adquiri algumas habilidades e talentos que algumas pessoas admiram, mas não importa. Na minha cabeça em momentos de angústia, o único patrimônio imaterial que eu possuo é a violência, e a única coisa realmente transformadora que sou capaz de fazer é socar a cara de um cidadão. 2- Ando pelas ruas desconfiado e olhando por cima dos ombros sempre, e a menos que eu esteja com alguém que eu sei com certeza que me ama, jamais me sento de costas para a rua em um restaurante. 3- depois de emagrecer quarenta quilos, ainda me acho muito gordo e muito inferior a qualquer outra pessoa, independente da situação, e é difícil eu me sentir orgulhoso de algo que eu tenha feito. 4- jamais aceito elogios e desconfio de todos eles. Relativizo com brincadeiras porque no fundo, acredito que, ou as pessoas estão sendo gentis comigo, ou estão tentando eu me sentir bem para depois me destruir com mais prazer. 5- (e o mais importante) sempre acho que estão rindo de mim. Até hoje, em todos os momentos. Tem alguém rindo de mim.
Adquiri uma certa confiança em mim mesmo e mantenho sempre um bom humor, ainda que negro, para viver em paz com as pessoas. Consigo falar em público e não travo diante de situações sociais. Não cometi suicídio e nem matei ninguém, talvez por isso ninguém leve muito a sério tudo isso. Mas carrego essa marca comigo enquanto minha analista não resolve de vez o problema. Odiaria que isso acontecesse a mais pessoas.