O escritor gaúcho Mauro Paz é um profissional das Letras que transita entre a literatura, a publicidade e o cinema. Essa circulação pelas linguagens parece influenciá-lo na constituição de uma escrita fluida e envolvente, tal como se vê em Quando os Prédios Começaram a Cair, lançado em 2023 pela Todavia (leia crítica aqui). Além disso, Paz tem outras obras, como Por Razões Desconhecidas, finalista do Prêmio SESC de 2012 e Entre Lembrar e Esquecer, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2018.
Em entrevista exclusiva à Escotilha, Mauro Paz fala do processo de criação de Quando os Prédios Começaram a Cair, e reflete sobre como a obra – que narra a história de um homem arruinado enquanto os prédios de sua cidade desmoronam – parece discutir o mal estar do mundo atual, perante tantas crises climáticas, pandemias e outros grandes problemas coletivos.
Escotilha » Uma das coisas mais impressionantes de Quando os Prédios Começaram a Cair é essa sensação que ele fala do agora. Qual era o seu espírito quando você o escreveu? Havia essa intenção de expressar um desconforto coletivo com as situações que temos enfrentado?
Mauro Paz » Desde que comecei a pensar sobre Quando os Prédios Começaram a Cair, em 2016, a minha vontade era escrever um livro que gerasse a impressão de que os prédios já estão caindo. Para construir esse universo ficcional que dialogasse com o nosso momento atual de sucessivas crises, dediquei um bom tempo à pesquisa e à revisar minhas experiências de vida. O que decantei desse processo foi que as questões do agora, na verdade, são questões que têm se tencionado ao longo da modernidade. Desde o final do século XVIII, estamos num fluxo intenso de aprimorar tecnologias para dominar a natureza e acelerar os lucros, uma corrida que tem levado o planeta e as pessoas à exaustão.
Nas redes sociais, as pessoas me contam que Quando os Prédios Começaram a Cair mexe com umas séries de questões delas. Identificar pontos que geram desconforto é uma dessas questões que as pessoas me trazem.
Cresci na zona rural de Porto Alegre. Depois fui morar no centro da cidade e, para ganhar a vida, mudei para São Paulo. Nessa trajetória, percebi que lá na zona rural eu vivia em um ritmo mais conectado ao ritmo da natureza. Conectado ao tempo do rio, das árvores, do amanhecer e do pôr do sol. As mudanças, primeiro para o centro de Porto Alegre e depois para São Paulo, fizeram eu sentir uma quebra na relação com o ritmo da natureza para assumir outro ritmo na minha vida conectado à temporalidade do dinheiro.
Essa experiência, que se estendeu por mais de duas décadas, foi uma base para olhar ao redor e perceber algumas das origens desse desconforto coletivo. As cidades de países emergentes, com seus prédios construídos pela lógica do lucro, que ignoram, por exemplo, os cursos de rios, são um sintoma dessa nossa quebra de conexão com a natureza. Em complemento aos prédios, vejo o modo de vida acelerado e repleto de incertezas que se consolidou nessas cidades como uma das principais causas de desconforto. Isso fica evidente quando analisamos os números da epidemia de problemas de saúde mental que se espalha pelo planeta.
E como os leitores têm se relacionado com a sua obra? Sinto que o livro tem o potencial para se conectar com muita gente.
Acredito que a recepção dos leitores é boa. Nas redes sociais, as pessoas me contam que Quando os Prédios Começaram a Cair mexe com umas séries de questões delas. Identificar pontos que geram desconforto é uma dessas questões que as pessoas me trazem. Por exemplo, uma leitora me contou que o livro ajudou ela a entender melhor sobre as crises de ansiedade que vivia. Escutei outros comentários nesse sentido também.
O protagonista e narrador de Quando os Prédios Começaram a Cair, Solano, traz uma grande carga existencialista. Enquanto o mundo desmorona, ele não só observa, mas sente os amores por qual é atravessado e se questiona sobre a sua existência. Nesse sentido, vejo que o livro tem um eco grande na interioridade do leitor desse mundo em uma crise permanente.
Por outro lado, Solano também retrata as reações sociais dessas cidades que desmoronam: como agem os políticos, os moradores, as ondas de fake news. Então, esse panorama social complexo faz com que os leitores relacionem o livro com as situações que se instalam frente aos desastres climáticos que estamos vivendo hoje. Por exemplo, as enchentes no Rio Grande do Sul fizeram milhares de pessoas abandonarem as suas casas. Esse movimento de deixar o lar para trás – o lugar que representa a nossa maior segurança e certeza – está muito presente no livro.
Me chamou a atenção de você, um escritor gaúcho, ter escolhido situar a obra em São Paulo, com um protagonista mineiro. Poderia falar um pouco sobre o que levou a essas escolhas?
A escolha de São Paulo como palco do livro se deu por eu sentir a cidade – coberta de cimento e asfalto – como um grande retrato dessa desconexão com a natureza que mencionei.
Quanto ao protagonista ser mineiro, busquei um personagem que se descolasse da minha biografia. No meu romance anterior, Entre Lembrar e Esquecer, o protagonista era de Porto Alegre e morava em São Paulo. Quis fugir dessa repetição e ficar mais livre.
Mauro, você tem uma carreira na Publicidade, como redator, e produziu um livro com um ritmo frenético e uma escrita que, na falta de um termo melhor, parece muito precisa. A experiência na Comunicação influenciou o seu processo literário?
É interessante você perguntar sobre a influência da Publicidade no meu estilo de escrita. Nunca pensei dessa forma. Minha formação original é em Letras. Sou mestre em Teoria Literária. Então faz alguns anos que a leitura e a escrita estão presentes na minha vida. Estudo muito sobre enredo, personagens e estilo.
Porém, pensando agora, sem dúvida a experiência como redator me influenciou. Com a Publicidade, aprendi a escrever de uma forma que parece leve e próxima, mas também é precisa para transmitir um conceito ou mensagem.
Com os acontecimentos que estamos enfrentando nos últimos anos (culminando atualmente na tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul), esse tipo de literatura distópica tende a aumentar? E quem são os escritores e escritoras que te inspiram?
No exterior, a literatura com distopias é forte. No Brasil, nem tanto, mas acredito há uma tendência se formando por aqui.
Quanto às minhas influências, nunca fui um grande leitor de distopias. Próximo do tema, um livro que reli para a escrita de Quando os Prédios Começaram a Cair foi A Peste, de Albert Camus. Entre os autores que me influenciam de uma forma geral estão Conceição Evaristo, J.D. Salinger, Hemingway, Machado de Assis e os autores contemporâneos com quem estou em constante troca.
Mais do que o tema distopia, me interessam livros que têm a névoa do mistério. Nesse segmento, gosto muito dos romances do Haruki Murakami e do Paul Auster.
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