Uma ideia de sinopse para Adultos, da escritora Emma Jane Unsworth, talvez fosse: uma jovem mulher de 35 anos parece viver uma vida perfeita. Trabalha em Londres como colunista numa revista descolada, e namora um fotógrafo gostosão. Sua rotina se reveza entre beber em bares, conviver com as amigas e o namorado e lidar com a relação agridoce que tem com a mãe, uma atriz fracassada que se enveredou para o mercado espiritual. Com um detalhe: em boa parte do tempo, esta moça, de nome Jenny McLaine, está espiando nas redes sociais a vida de influencers em que se espelha e gastando um excesso de energia sobre o que vai postar em suas páginas.
A leitura de Adultos, confesso, trouxe uma certa preguiça inicialmente, pois a personagem da mulher empoderada infeliz já está se tornando bastante batida no entretenimento. Ela vem desde a já pré-histórica Carrie Bradshaw, protagonista de Sex and the city, uma jornalista com um emprego dos sonhos em Nova York que é obcecada por Mr. Big, um homem que a enrola, até a Fleabag da série homônima, uma cínica que, mesmo sem assumir, também está em busca do amor (e, para completar, de algum sentido para a sua vida). Esta é uma figura de fácil identificação para nós, mulheres, que desfrutamos de algumas conquistas obtidas pelo feminismo – por isso mesmo, ela se tornou uma espécie de clichê, uma fórmula batida para quem busca criar sujeitos literários cativantes.
A Jenny de Adultos, como o próprio título do livro sugere, é alguém com dificuldades de crescer. Ela tem 35 anos e, no seu entorno, cada vez crescem mais as cobranças (veladas ou não) para um rumo em sua vida: a decisão sobre se casará ou não com o fotógrafo, se terá ou não ter filhos, se fará uma prestação de contas com sua mãe, se permanecerá ou não na carreira que começou a trilhar. Mas Jenny, como uma espécie de anti-herói, é algo antipática, egocêntrica, e, acima de tudo, obcecada pela vida de pessoas que não conhece. Em resumo, é difícil gostar dela – especialmente tendo em vista o tempo que ela gasta escolhendo fotos e hashtags para o Instagram.
Dispensável dizer que toda a proposta do livro, claro, é tecer uma crítica o quanto estamos desconetados da vida offline.
Dispensável dizer que toda a proposta do livro, claro, é tecer uma crítica o quanto estamos desconetados da vida offline, que há muito de Jenny em todos nós, etc. Em minha concepção, talvez esta seja a parte mais frágil desta história: a sensação de que já a vimos antes, em livros e séries (remeteu-me também à apatia da mulher que tem tudo – beleza, dinheiro, trabalho interessante – mas que só quer dormir, que protagoniza Meu ano de descanso e relaxamento, de Ottessa Moshfegh). Outro elemento que talvez cause alguma irritação seja a estrutura meio “moderninha”, intercalando uma narrativa convencional com a reprodução de SMS e e-mails (que, pasmem, é uma das principais ferramentas de comunicação usadas por Jenny).
Por sorte, Adultos, ao longo da leitura, é capaz de surpreender os leitores. A partir do surgimento de personagens secundários (como a melhor amiga de Jenny, uma mãe solteira a quem cabe “dar a real” sobre seu narcisismo exacerbado, a mãe mezzo irritante, mezzo incompreendida, e o namorado que, esse sim, tem sérias dificuldades com as responsabilidades da vida adulta) e de outros elementos pelos quais a trama se desdobra, Emma Jane Unsworth consegue subverter as expectativas iniciais e nos traz uma heroína mais complexa do que sugere uma leitura superficial. E por mais que não haja grande novidade nesse comentário de fundo – de que redes sociais são tóxicas -, o tema que tange o livro se torna um palco interessante para que se fale, por fim, deste assunto atemporal: a dor que há em finalmente crescer.
ADULTOS | Emma Jane Unsworth
Editora: Intrinseca;
Tradução: Ana Rodrigues;
Tamanho: 400 págs.;
Lançamento: Outubro, 2020.