Descabelados (Editora da UnB, 2007, tradução Donatella Natili e Álvaro Faleiros), de Akiko Yosano, é a única tradução em livro só com poemas da poeta japonesa no Brasil. Akiko Yosano (nascida Shou Yosano, 7 de dezembro de 1878 — 29 de maio de 1942) é das poetas mais famosas do arquipélago japonês, conhecida pelos artigos feministas e pacifistas. Em 1901, foi publicado seu primeiro e mais conhecido livro, Midaregami, com cerca de 400 poemas, dos quais foram selecionados 30 para compor o livro traduzido no Brasil.
Ainda jovem, ao se tornar leitora da revista de poesia Myōjō (Estrela Brilhante), conheceu o editor Tekkan Yosano. Ele ensinou-lhe tanka e a visitava em Sakai. Era casado, e se separou para viver com Akiko, a partir de 1901, em Tóquio.
Midaregami foi mal recebido pelos críticos literários. Apesar da reação crítica, tornou-se luz para livre-pensadores da época. A obra pioneira renovou a tradicional arte do tanka. A maior parte são poemas de amor, nos quais Akiko expressa sentimentos por Tekkan, de forma anticonvencional. A obra apresenta uma voz feminina revolucionária. As japonesas deveriam ser gentis e modestas segundo as convenções sociais. Seu papel era ser esposa e mãe. Akiko aborda o amor e a liberdade sexual, usando metáforas da natureza.
Em um tanka, escreveu: “a primavera é curta enquanto a vida é eterna, eu disse, o que fez suas mãos procurarem meus seios aconchegantes.” Devido à ousadia em relacionar seios e sexualidade e não à maternidade, o poeta Nobutsuna Sasaki a atacou, por “corromper a moral pública” e “falar obscenidades como uma prostituta”. As estações do ano e as flores, temas recorrentes na poesia japonesa, em vez de evocar o efêmero, funcionam para evocar a sexualidade feminina.
Pode-se reconhecer a intertextualidade nos poemas de Akiko. No recorte da tradução brasileira, há evocação tanto de deus quando de pecado.
O título Descabelados remete a cabelos despenteados depois de uma noite de amor. O ideograma midare ( 乱れ ) significa confusão e desordem, e a semântica é contígua a midara ( 淫ら), obsceno, lascivo, indecente, e midari (妄りに), sem permissão, indiscriminadamente, sem necessidade. Tal semelhança não escapou à poeta. Midareru é desordenar-se, desarrumar-se, desorganizar-se, degenerar, perder a paz. Já kami pode ter como significantes quatro ideogramas: (上), correspondente a soberano, monarca, autoridade, governo, nascente do rio, senhor, patrão), (:神), que significa divindade, heróis da mitologia, mortos venerados, (紙l), papel e (髪), cabelo. A polissemia evoca não apenas cabelos despenteados, mas também, numa interconexão de sentidos: governo sem permissão, um deus obsceno, papeis confusos.
Observar que na tradução há o uso do ideograma (乱れ)e da escrita hiragana (みだれ), o que favorece o jogo fonético:
黒い髪xxすじの髪の乱れ髪かつおもひみだれおもひみだるる
cabelos negros
são mil longos cabelos
descabelados
mente descabelada
descabelada mente
A tradução “descabelada” encobre os significados além do despentear-se: “degenerada”, ou “obscena”, “sem paz”. Os “mil longos cabelos” podem evocar a era Heian (794-1185), com a capital instalada em Quioto, onde surgem as grandes ficcionistas japonesas, Murasaki Shibiku e Sei Shônagon, e elas se apropriam da escrita fonética. É também quando surgem as poetas do tanka Ono no Komachi e Izumi Shikibu, antecessoras de Akiko.
Hoje de manhã
Até as minhas campainhas
Estão escondidas
Para evitarem mostrar
O cabelo em desalinho
(Ono no Komachi)
Deitada e sozinha
e emaranhado,
sinto desejo daquele
que primeiro veio me tocar.
(Izumi Shikibu)
Pode-se reconhecer a intertextualidade nos poemas de Akiko. No recorte da tradução brasileira, há evocação tanto de deus quando de pecado. Cores e flores surgem em profusão, seguindo a tradição de emular a natureza nas formas poéticas japonesas.
Outros poemas
O poema “Kimi Shinitamou koto nakare” foi publicado durante a guerra russo-japonesa e era extremamente controverso. Foi escrito para evitar que seu irmão se sacrificasse em nome do Imperador. Como ataca o conceito central do Bushido (ética do guerreiro), o governo japonês tentou censurar o poema. “The Kimi” ficou tão impopular que a casa de Yosano foi apedrejada enquanto ela debatia com o jornalista Omachi Keigestu sobre se os poetas tinham o dever de apoiar a guerra ou não.
Outros poemas contestatórios são “O dia em que montanha se moveu”, de 1911, perguntando se às mulheres seriam dados direitos iguais. Escreveu vários artigos feministas. Embora tivesse tido 13 filhos, era contra o subsídio governamental em apoio à maternidade. Ela dizia que a dependência do Estado e a dependência do homem era o mesmo, ponto de vista que a colocava em oposição à opinião de feministas famosas, como Raichō Hiratsuka. Akiko também debatia com feministas estrangeiras, como a sueca Ellen Key. Em 1915, escrevia que a principal função da mulher não era o de ser mãe. As mulheres também poderiam ser amigas, esposas, cidadãs japonesas e membros do mundo. Devido a suas posições pacifistas anteriores, grande foi o espanto, quando, nos anos 30, ela retrocede e exalta o Bushidô num poema, estimulando seu país a entrar em guerra.
Akiko Yosano publicou mais 20 antologias, incluindo Koigoromo (Ladrão de Amor) e Maihime (Dançarina). Yosano ajudou a fundar uma escola para garotas, o Bunka Gakuin (Instituto de Cultura), e tornou-se sua primeira diretora. Traduziu clássicos japoneses ao japonês moderno, incluindo Shinyaku Genji Monogatari (“Conto de Genji”) e Shinyaku Eiga Monogatari (“Conto de Flowering Fortunes”). No Brasil, Midaregami também tem poemas traduzidos em Paisagem urbana e poesia japonesa contemporânea, Antologia de poesia japonesa, organizada por Raquel Abi-Sâmara, Sadami Suzuki e Leith Morton). Seu túmulo está no Cemitério Tama, em Fuchu, Tóquio.
[box type=”info” align=”” class=”” width=””]DESCABELADOS | Akiko Yosano
Editora: UnB;
Tradução: Donatela Niti e Álvaro Faleiros;
Tamanho: 127 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2007.
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