Em maio deste ano, a editora Intrínseca traduziu o primeiro volume de Black Hammer, história em quadrinhos escrita por Jeff Lemire. Lançada em 2016 nos Estados Unidos, ganhou o prêmio Eisner em 2017 na categoria de melhor série nova e, em 2018, concorreu em cinco outras categorias (apesar de não ter ganhado nenhuma). No entanto, sua boa recepção fez com que a série pudesse criar um universo próprio nas publicações, engatando minisséries em estilo pulp derivadas do universo principal, como Sherlock Frankenstein and the Legion of Evil e Doctor Star and the Kingdom of Lost Tomorrows.
Em Black Hammer, acompanhamos a vida de seis super-heróis que estão suspensos no tempo e espaço, presos numa cidade interiorana onde foram magicamente transportados depois de uma batalha contra um super-vilão chamado Anti-God. Eles se descobrem confinados quando, depois de acordarem, Black Hammer (herói que dá nome à série) tenta fugir e é pulverizado por uma barreira invisível. Seu martelo se torna uma espécie de demarcação territorial. Dessa forma, Abraham Slam, Menina de Ouro, Coronel Weird, Madame Libélula, Barbalien e Talky-Walky se misturam aos habitantes da cidade e, enquanto cuidam de sua pequena fazenda, tentam descobrir onde estão e como retornar a Spiral City.
As principais questões que Jeff trabalha em sua carreira, como os relacionamentos familiares, o clima de cidades pequenas e suas fazendas, o desconhecido e os traumas, estão presentes também em Black Hammer.
É a partir dessa premissa que Jeff Lemire, ex-roteirista de histórias como X-Men e Wolverine, nos apresenta sua releitura humanizada dos super-heróis. Diferente do caminho mais político e violento que Alan Moore traça em seus anti-heróis de Watchmen e Miracleman, que já mostrei aqui, Lemire quer escrever “histórias humanas e realistas sobre famílias e cidades pequenas”, como descreve no posfácio do livro.
As principais questões que Jeff trabalha em sua carreira, como os relacionamentos familiares, o clima de cidades pequenas e suas fazendas, o desconhecido e os traumas, estão presentes também em Black Hammer, mas, diferentes de seus outros trabalhos, como Condado de Essex, Sweet Tooth ou Soldador Subaquático, é a primeira vez que trabalha com heróis criados por ele.
Essa releitura parte de uma homenagem aos heróis clássicos. Partindo do herói que dá nome à série, Black Hammer é ligado à um conselho de deuses e usa um martelo, como Thor. Abraham Slam é uma mistura de Capitão América com Batman. Barbalien é um marciano chamado Mark Markz e pode ser assumir qualquer forma, da mesma força que o Caçador de Marte (John Johnz) da Liga da Justiça. Golden Gail, traduzida como Menina de Ouro, é um Shazam ao contrário: é uma mulher que se transforma em garota ao dizer a palavra Zafram, dom que recebe de um mágico. Madame Libélula é uma daquelas figuras que aparece como mestre de cerimônias nos antigos gibis de terror, como os antigos Contos da Cripta. Coronel Weird é um pistoleiro espacial, como Adam Strange ou Buck Rogers, que tem como companheira Talky-Walky, uma robô inteligente.

A homenagem passa ao nível da releitura no momento em que, assombrados pelos flashbacks de histórias heroicas, os heróis passam a enfrentar problemas internos. Diferente dos quadrinhos clássicos, onde a trama era voltada para o conflito épico do Bem versus o Mal, Jeff Lemire enfatiza a capacidade de as narrativas tratarem de coisas mundanas. Ao invés de lutar contra um super-vilão, os heróis tentam resolver questões de autoconhecimento. Barbalien traz questionamentos acerca da homossexualidade enquanto um alienígena, construção que não parece ao acaso. A Menina de Ouro se torna uma mulher de 55 anos presa no corpo de uma menina de oito, sem poder ativar seus poderes novamente. Abraham Slam enfrenta o problema da velhice, do cansaço.
Conforme dito por Ramon Vitral, em um matéria da Folha de S. Paulo, “as sequências de flashback mostrando os feitos dos protagonistas antes do isolamento são ode a uma era de quadrinhos escapistas e ingênuos, sem os dilemas morais tão comuns ao gênero nos dias de hoje —e presentes nos personagens de Black Hammer na realidade da cidade-prisão”. No entanto, os seis números que compõem o primeiro volume não são capazes de aprofundar o desenvolvimento do mistério para além do questionamento dos personagens (o que pode ser uma intenção da narrativa). A série terminou sua primeira parte com 13 edições e já conta com sua continuação, Black Hammer: Age of Doom, desde o começo do ano. A Intrínseca confirmou que traduzirá as sequências.
BLACK HAMMER: ORIGENS SECRETAS – VOL. 1 | Jeff Lemire
Editora: Intrínseca;
Tradução: Fernando Scheibe;
Tamanho: 184 págs.;
Lançamento: Maio, 2018.
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