Se anos atrás passamos por uma vulgarização da crônica – um gênero tão brasileiro quanto incompreendido –, agora parece que crítica foi acometida do mesmo mal. Quando o escritor, jornalista e crítico literário Ronaldo Bressane apontou a fissura que brota da enxurrada de booktubers, houve um levante para defender essa “nova classe” e outro para guilhotiná-la.
A grande questão não está na linguagem que dá forma à crítica, ao contrário, e sim no caráter relapso que integra boa parte do material disponível no YouTube. Longe de análises imersivas, os dez ou quinze minutos de cada vídeo são uma reunião de vaidades e autocondescendência, e uma distribuição rasa de empirismos e lugares-comuns. Não existe uma experiência de crítica, propriamente dita, mas a fabricação de resenhas cujo lastro é a própria opinião e que não são mais que sinopses aumentadas das obras que leram.
A escolha de, na maioria das vezes, cair em um diálogo preguiçoso sobre literatura resvala na estratégia dos likes e da lacração, na experiência estética e homogeneizadora de alguém falando para uma câmera com uma estante de livros ao fundo. Acabam por se tornar cavaleiros e amazonas do bom-mocismo, defendendo as “literaturas urgentes” e suas parcerias com as casas editoriais. Na necessidade premente de que sejam diferentes, se tornam todos iguais.
Dentro desse (des)compasso a literatura é a ponta de um iceberg que envolve egos, popularidade e, em alguns casos, dinheiro.
Dentro desse (des)compasso, a literatura é a ponta de um iceberg que envolve egos, popularidade e, em alguns casos, dinheiro – convites para prêmios, publicações pagas (que muitos negam fazer ou rechaçam para depois se deliciarem em um buffet de publicidade). É estranho a maneira como a crítica literária não conseguiu se adaptar completamente ao universo do audiovisual, optando pelos olhares formulaicos e rasteiros, algo que os canais de cinema já superaram há tempos. Enquanto críticos de cinema Tiago Belotti e Lucas Maia investem em pontos de vista complexos sobre os filmes – análises quem encampam também uma perspectiva teórica sobre a sétima arte –, são poucos os casos tão bem sucedidos – em qualidade e não em audiência – no mundo da literatura.
Na contramão dessa tendência uniformizadora e limitante se destaca o jornalista e crítico Darwin Oliveira, do canal Seleção Literária, que produz conteúdos que não estão pontuados unicamente pelos lançamentos e pelos chavões e figuras canônicas. A Tamy Ghannam, do Litera Tamy, busca uma descentralização ainda mais ousada, jogando luz sobre autores, em sua maioria, independentes. Ambos oferecem trabalhos que operam em dissonância ao traço massificador.
Entretanto, talvez, nada esteja mais em falta entre os booktubers que o vídeo-ensaio – à guisa do que é produzido, por exemplo, por Max Valarezo, do canal EntrePlanos – que, em sua curta duração, permite um mergulho em obras, autores e temas. O mais próximo desse propósito, quem sabe, seja o canal da editora Antofágica, casa que está ganhando cada vez mais espaço na publicação de clássicos e obras em domínio público.
O que falta ao booktuberismo é deixar de lado o culto à personalidade e à criação de personas – da delicadeza profunda ao cinismo calculado – para se fazer mais importante que a literatura. No final das contas, o que faz falta à crítica, de modo geral, é o leitor ingênuo e que se deixa levar pelo prazer da leitura sem rodeios e sem os artifícios da máquina de fazer likes.