Com poucos anos de carreira (seu primeiro livro, O Peso do Pássaro Morto, é de 2017), Aline Bei é hoje uma escritora muito respeitada no país. Vencedora de vários prêmios literários, Aline tem um estilo muito peculiar de escrita. Lê-la é uma experiência única de mergulhar em romances que discutem questões bastante duras a partir de uma forma muito poética.
Conversamos com a autora durante a Feira do Livro de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Nesta entrevista, Aline Bei fala sobre as relações entre seus dois livros (ela é também autora de Pequena Coreografia do Adeus, sua obra mais recente), sua entrada no mercado literário e sobre como ela chegou a uma estética narrativa específica que a destaca dos demais escritores.
Escotilha » Aline, seu estilo narrativo é bem peculiar e dá a impressão de se situar como um gênero híbrido entre a prosa e a poesia. O que a influenciou na formação do seu estilo?
Aline Bei » Acho que foi, primeiramente, uma grande apreciação pela poesia. Penso que ser leitor de poesia muda tudo, inclusive o meu desejo em relação à página. Eu quero preenchê-la da forma mais poética que conseguir.
Mas a gente não consegue fazer o que não nasceu para fazer. A poesia não me visita profundamente, mas há esse desejo que ela visite. E só isso já areja muito o jeito que eu penso a folha e o jeito que eu instalo as narrativas, só por tê-la como horizonte.
Há o teatro também, que foi a minha primeira vivência artística. Ter lido muita dramaturgia também mudou o jeito que eu olho para a folha: a narrativa, a rubrica, os personagens destacados, tudo isso me influencia.
E também o meu desejo de narrar, que também vem de uma oralidade. Penso que minha voz é uma voz próxima e que conta a própria história, que narra a si. Tudo isso vem do teatro e das narrativas orais, que têm uma importância dentro do meu processo.
Queria discutir um pouco o seu processo de construção como uma escritora dentro do mercado literário. Lembro de ler sobre as estratégias que você usou para divulgar o seu trabalho, que eram quase uma tática de guerrilha, de enviar mensagens diretamente para as pessoas oferecendo o livro. Como você avalia a forma que você entrou no mercado: seria um caminho para novos escritores?
Acho que cada escritor vai decidir, com as possibilidades que ele tem, o que vai fazer para divulgar sua obra. No meu caso, a minha primeira publicação foi pela Nós, uma editora independente incrível, mas com pouca penetração no mercado ainda. Eu era uma escritora iniciante, que ainda sou, aliás.
Àquela altura, menos gente conhecia o meu trabalho, e senti desejo de compartilhá-lo. Como sempre usei a internet como divulgação dos meus textos, eu continuei fazendo o que já fazia. E fui acolhida pelas pessoas que recebiam minha mensagem e generosamente se interessaram pelo meu trabalho.
Eu faço isso até hoje e converso de uma maneira muito próxima com meus leitores. Mas sei também que os livros vão ganhando um fôlego, pois é como se eu tivesse empurrado a bicicleta e agora eles conseguem ter o caminho deles.
Eu sou uma autora que se coloca na frente da divulgação, mas não acho que isso é conduta obrigatória para os escritores. Você escolhe pelo que se sente à vontade a fazer.
Nós, os artistas, ficamos tentando romper a bolha porque os livros precisam de acesso.
Os seus dois livros, O Peso do Pássaro Morto e Pequena Coreografia do Adeus, parecem, para mim, complementares e diferentes. Ambos falam sobre o trauma e a solidão, mas o segundo tem uma perspectiva muito mais otimista. Você poderia falar se há uma transição entre os dois livros, e como eles se relacionam?
Não foi uma coisa planejada, mas algo que foi se instalando como um desejo de contar uma história que, por mais que investigasse a solidão, também pudesse trazer movimento.
Em Pequena Coreografia do Adeus, a Julia é uma personagem que consegue se movimentar, enquanto a protagonista de O Peso do Pássaro Morto não consegue: ela se abre muito pouco ao mundo depois do que aconteceu.
Claro que são traumas diferentes e a gente não consegue pesar o impacto da dor na vida de uma pessoa. Mas a protagonista do Pássaro, diante do que aconteceu, ficou imóvel. O que ela conseguia fazer era uma escavação.
No caso do Pequena, a Julia encontra um apoio em outro corpo que não o dela. É um corpo de arte e também o corpo destes amigos que ela encontra na vida adulta e que vão a ajudando a fluir e reconhecer quem ela é apesar de tudo.
São duas narrativas que me interessam, e minha obra vai sendo atravessada por essas forças.
Queria, por fim, pensar com você nesta dificuldade de fazer arte num país como o Brasil, que tem tratado a cultura como algo supérfluo ou mesmo indesejável. Como os artistas, especialmente os escritores, devem lidar com isto?
Penso que é preciso ter um ato de incorporar a presença das bibliotecas e da força coletiva do livro mais do que a individual. A gente poder ter o nosso trabalho em espaços públicos e que as pessoas possam ler e se aproximar sem precisar pagar um dinheiro que elas não têm é fundamental.
Nós, os artistas, ficamos tentando romper a bolha porque os livros precisam de acesso. A mediação de leitura também é fundamental, ter alguém dentro da biblioteca que pode aproximar os leitores que querem descobrir mais sobre os livros que ainda não conhecem.
Eu acredito muito nestas forças: na força da biblioteca, da mediação de leitura, dos clubes de leitura. Acho que precisamos nos envolver mais com esses projetos para que a gente fomente a leitura de forma mais horizontal.
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