A curitibana Lark (nome artístico de Estela Kuntz) é uma artista, quadrinista e designer. Com formação em Artes Visuais pela UFPR, Lark publica desde 2018 suas tirinhas em sua página no Instagram, em que estabeleceu um contato próximo com um grande público de leitores.
Esta relação fez com que, recentemente, tivesse um resultado estupendo em um financiamento coletivo montado para lançar O Livro dos Pássaros. Inicialmente, seu projeto buscava arrecadar R$ 32 mil, mas acabou conseguindo mais de R$ 500 mil. Além dessa obra, em fase de produção, ela publicou Como lidar com seus fantasmas pela editora Arte & Letra.
Confira nossa entrevista com a artista, que está entre os convidados da Bienal de Quadrinhos de Curitiba.
Escotilha » Lark, na divulgação da sua participação da Bienal de Quadrinhos de Curitiba, está dito que você se orgulha de “não estar mais em uma startup”. Queria que você me falasse um pouco mais desse orgulho, e como essa vivência do mundo ultra competitivo dos negócios se relaciona (ou se destrói) o fazer artístico.
Lark » Penso que a gente vive em uma condição que, logicamente, as vezes a gente tem que se colocar em situações ruins e abusivas para se sustentar. É comum cair numa armadilha de que a gente precisa disso, de que não existe outra alternativa, e que precisamos ficar nisso para sempre, só aceitando.
Para mim, a questão de ter orgulho de não estar mais nesse ambiente foi de ter conseguido sair, e de fazer isso justamente com arte. Quando eu trabalhava em uma startup, o ritmo era muito intenso de trabalho e as cobranças muito absurdas, havia uma pressão de que precisava investir tudo ali naquela carreira. Isso muitas vezes acaba minando sua criatividade, mesmo que você trabalhe com algo artístico.
Em muitos momentos, eu não consegui conciliar isso com minha produção artística independente, os quadrinhos, o que me fez eu parar, pois eu já tinha gastado toda a minha energia criativa no meu emprego. Hoje eu conseguir trabalhar apenas com isso, com meu ritmo, o que é ótimo e muito mais saudável.
![](https://escotilha.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Lark-1-819x1024.jpg)
A plataforma central do seu trabalho é a internet, em um movimento em que muitos dos quadrinistas atuais têm se inserido. Como é a experiência de ter esse diálogo próximo com os seus seguidores e leitores? Será que, de alguma forma, essa relação acaba interferindo também no trabalho que você faz?
“A relação que as redes sociais possibilitam que a gente construa com o público é algo muito incrível”
Lark
Uso as redes sociais, que considero um recurso ótimo principalmente para artistas independentes que não podem depender de uma iniciativa externa, como editoras. É um lugar onde você pode ir construindo seu próprio público, formando ali uma comunidade. Eu acho isso muito legal, por mais que existam males nas redes sociais, como a questão dos algoritmos, ou coisas que muitas vezes atrapalham a funcionalidade delas, que deveria ser levar o seu trabalho para outras pessoas.
Mas a relação que as redes possibilitam que a gente construa com o público é algo muito incrível. Dá pra ir postando partes da história e ir acompanhando a reação das pessoas. Muitas vezes, surgiram ideias que eu fiz em seguida a partir de algo que alguém comentou. Gosto também de ver como as pessoas estão entendendo a história e as personagens à medida em que vou postando.
Tem uma interferência boa nisso de poder sentir o público. Mas claro que isso exige um certo equilíbrio de saber até onde você vai fazer aquilo que o público gostaria ou que vai se manter fiel aquilo que você planejou. Esse sempre foi um cuidado que eu tive.
![](https://escotilha.com.br/wp-content/uploads/2023/09/o-livro-dos-passaros-Lark.png)
Você recentemente fez uma campanha de financiamento super bem sucedida para lançar O Livro dos Pássaros. Eu queria pegar carona com esse resultado para perguntar a você como enxerga o mercado para quadrinistas no Brasil. Você acredita que há boas chances hoje de ser bem sucedido dentro desta arte, podendo viver dela?
A visão que eu tenho do mercado de HQs no Brasil é limitada pelo tempo de carreira que eu tenho na área. Estou há cinco anos apenas publicando minhas histórias online e há um ano vivendo apenas disso. O que observo, e até pela convivência com outros artistas, é que é bem desafiador e tem muito espaço para melhoras, o que depende de diversos fatores, como incentivos do governo.
Existe um mercado, no sentido de que tem muita gente produzindo e muita gente consumindo. Isso é muito forte, e há muitos lugares em que não vejo isso acontecendo. Aqui no Brasil tem um público enorme de gente que ama HQs. Mas para os quadrinistas e principalmente os artistas independentes, é preciso ter um planejamento próprio. Vai depender de como a própria pessoa constrói e administra seu caminho artístico, pois a gente depende muito de nós mesmos. Tem que estar preparado para os momentos ótimos, como uma campanha de financiamento bem sucedida, mas também para quando as coisas não dão tão certo assim.
Por fim, como você vê a importância de eventos como a Bienal de Quadrinhos de Curitiba para a área? Qual o impacto que estar neles traz para o seu trabalho?
O que eu mais gosto e que vejo como ponto mais positivo da Bienal de Quadrinhos de Curitiba é essa abertura que tem para o público, justamente por ser um evento gratuito. Eu mesma comecei a ir para a bienal como visitante, e foi ali que tive um dos meus primeiros contatos com esse universo.
Outra coisa importante é que ela é realmente voltada aos quadrinhos. Existem muitos eventos que usam desse título, mas enviesando para outro nichos – não que seja algo negativo, mas acaba tirando o foco do nosso trabalho como quadrinistas. Fico muito feliz de existir uma iniciativa desse tipo na minha cidade, e de poder participar pela primeira vez como artista expositora.
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