O limite entre a música e a poesia ficou mais tênue após o Nobel concedido a Bob Dylan, em 2016, e consolidou de uma vez por todas a relação da canção com a literatura. Bandas como The Doors, Velvet Underground, The Smiths e Joy Division – só para citar nomes seminais – beberam largamente de fontes literárias, levando para suas letras e melodias a representação do que está nos livros.
A argentina Mariana Enriquez, uma das vozes literárias mais interessantes do seu país, explora essa ligação singular entre linguagens em Este é o mar, seu segundo livro publicado no Brasil. Como em As coisas que perdemos no fogo, a escritora usa o cotidiano para criar uma história de horror contemporâneo, mas acaba por escolher a fantasia como força motriz da narrativa – os passos de James Evans, um rockstar atormentado por entidades cuja única e exclusiva obrigação é atormentá-lo até a morte. Seriam essas mesmas criaturas as responsáveis pelas tragédias que pairavam sobre Jim Morrisson, Kurt Cobain, Jimmi Hendrix, Brian Jones e tantos outros do Clube dos 27.
O ponto de virada acontece quando Helena, a criatura incumbida de maltratar James, acaba se apaixonando por ele. Como em qualquer história de Mariana Enriquez, é impossível pensar de maneira lógica. São vidas, humanas e não, que se cruzam em uma espécie de teia temporal ou em enormes vazios que são preenchidos pelo tédio quase adolescente. E talvez essa perspectiva jovem seja a falha do romance, faltando alicerce, uma base que dê fôlego à história que, aos poucos, se perde em uma trama juvenil e às raias do gótico
Metáforas e silêncios
Este é o mar parece escapar à mão da autora. Se em As coisas que perdemos no fogo a sua prosa é bem construída e as tramas são grandes enlaces narrativos, neste romance tudo parece estar flutuando ao sabor do vento. Não existe o arcabouço histórico – como no conto “A Casa de Areia” – ou os conflitos psicológicos de “As Hospedeiras”.
Em Este é o mar não existe o arcabouço histórico – como no conto “A Casa de Areia” – ou os conflitos psicológicos de “As Hospedeiras”.
Helena, uma espécie de encosto apaixonado, e James, tal qual um outsider típico, são um Romeu e Julieta sobrenatural. Por todo o livro, Mariana Enriquez oferece pistas para o leitor, vai construindo uma teia fina que se desenlaça com a imprecisão das peças desse quebra-cabeças. Existe algo que não se encaixa.
Este é o mar é o contraponto de tudo o que fez de As coisas que perdemos no fogo um livro indispensável. Ao contrário do dedo na ferida, há a condescendência. No lugar da discussão sobre o papel da mulher na sociedade, um conjunto de personagens femininos amorfos. Invés de tratar da política pelas metáforas engenhosas, o silêncio.
Este é o mar é uma descida irregular ao inferno de Mariana Enriquez.
ESTE É O MAR | Mariana Enriquez
Editora: Intrínseca;
Tradução: Elisa Menezes;
Tamanho: 176 págs.;
Lançamento: Junho, 2019.
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