Com o sugestivo nome “Amar, verbo transitivo” – clara adaptação do icônico romance de Mário de Andrade, Amar, verbo intransitivo -, a mesa com as escritoras Ana Luisa Escorel e Ayelet Waldman encerrou a noite de sexta. A conversa, mediada pela jornalista Paula Scarpin (piauí), teve como temática central o reflexo das experiências familiares nas obras das autoras.
Ana Luisa, que além de além de escritora é designer, falou sobre histórias íntimas que tornam-se públicas, enquanto Waldman, israelense radicada nos Estados Unidos, focou sua fala nos riscos de escrever as memórias, que podem acabar sendo “forjadas” durante a escrita. “Escrever muda sua memória. Eu me lembro das coisas da forma como coloquei na minha ficção e acabo esquecendo como realmente sucederam. E escrever histórias baseadas na sua família é perigoso. Essa habilidade de criar novas versões é contagiosa”, disse Ayelet. “E fica ainda mais perigoso se há dois escritores na família, roubando dos mesmo acontecimentos, e colocando nos livros”, completou a escritora, que é casada com Michael Chabon, vencedor do Pulitzer de ficção por As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay (2001).
Ayelet Waldman, que entre outras coisas foi colega de turma de Barack Obama, é autora de Bad Mother, ainda sem tradução para o português, e contou que chegou a pedir permissão aos filhos para narras algumas histórias. Para a autora, mesmo com a autorização para a publicação, o constrangimento foi inevitável. “É muito diferente pedir autorização aos 11 anos e aos 18. Há um ensaio sobre meu filho questionando-se acerca de sua sexualidade. Seus colegas descobriram este trecho e começaram a caçoá-lo”, contou Waldman.
“Escrever muda sua memória. Eu me lembro das coisas da forma como coloquei na minha ficção e acabo esquecendo como realmente sucederam.”
Durante a mesa, Ana Luisa Escorel, parente em terceiro grau de Mário de Andrade, citou não compreender algumas das coisas por ele escritas. Autora de O Pai, a Mãe e a Filha e Anel de Vidro, Ana Luisa também citou o romancista norte-americano Philip Roth para falar sobre a dificuldade da relação entre memória familiar e literária. “Pobre da família que tem um escritor dentro dela. Ele (o escritor) é muito cruel. Por vezes eu me pego lembrando de coisas que são extremamente cruéis com meu próximo. Aí me perguntam: ‘Você vai escrever isso?’, e vou lá e escrevo”, disse.
Perguntada sobre a relação com o pai, o crítico literário Antonio Candido, Ana Luisa Escorel disse que sempre o ouve, assim como ao marido, o cineasta Eduardo Escorel, mas que sempre prevalece sua opinião. “Conversamos muito, tenho confiança na opinião dele, mas muitas vezes não concordamos, aí prevalece a minha opinião. Meu pai é muito sensível e afiado, mas acho que quem tem sempre razão sou eu e não ele”, finalizou, arrancando risos e aplausos da plateia.
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