O cinema e a literatura descontruíram a ideia das cidades como simples cenários para as ações narrativas. A Nova York de Woody Allen, por meio de sua geografia e iconografia, é personagem fundamental nos longas do diretor. João do Rio levou para as suas páginas muito mais que o cidadão carioca, mas a cidade com seus vícios e virtudes. Cristovão Tezza fez de Curitiba uma peça indispensável em suas histórias. Em nenhum desses casos, o criador tenta explicar a criatura; ao contrário, registra tudo como um flâneur, um sujeito em constante movimento. Todos sabem que uma cidade não se explica.
Ithaca Road, romance de Paulo Scott que integra a coleção Amores Expressos, é mais ou menos assim também: Sidney, capital da terra do canguru, é tão ou mais importante que Narelle, protagonista mestiça do livro. A cidade é um organismo dentro da história. Os personagens se movimentam nela, ao passo que o espaço urbano se transforma em um elemento indissociável dos conflitos. Qualquer avesso dessa equação seria como um Leopold Bloom sem Dublin.
O enredo de Ithaca Road não é o mais importante, mas a maneira como as ações são instrumentalizadas e construídas.
O enredo de Ithaca Road não é o mais importante, mas a maneira como as ações são instrumentalizadas e construídas. Narelle, a protagonista, recebe a incumbência de cuidar do restaurante à falência para que o irmão possa fugir da justiça ou conseguir administrar seu relacionamento com o namorado jornalista que está no Brasil. É Sidney, e seus pontos, que seduz personagens e leitores, criando um acordo tácito de subserviência e cumplicidade.
A era das telas
Ithaca Road é uma investigação sobre o espaço urbano e seus personagens. Narelle é singular, não apenas pela psoríase, mas pelas relações que estabelece com Anna, uma menina cuja deficiência a projeta como um pêndulo – para frente e para trás –, e com Nick, um sujeito que se aproxima como amigo e acaba na cama e no banheiro da moça – algo tão íntimo que trocar telefones se torna irrelevante.
Em simultâneo às ligações que cria com a ideia de geografia, Paulo Scott fixa na parede um retrato fiel dos jovens: muito mais interessados nas coisas que no outro e cujas relações se dão por meio de telas. Se para Sartre chegar aos 30 anos era alcançar a idade da razão, os novos balzaquianos vivem um prolongamento da influência e da adolescência – como que uma sensação de estremecimento e vertigem.
O que sobra do teorema de Ithaca Road é a sensação de uma maturidade cada vez mais tardia e negada, um olhar sincero e profundo sobre a dilaceração, e a volatilidade, das paixões contemporâneas.
ITHACA ROAD | Paulo Scott
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 112 págs.;
Lançamento: Junho, 2013.
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