No fim de setembro, o escritor Julián Fuks participou de uma palestra no SESC Avenida Paulista onde falou sobre as narrativas do “Eu” no romance e suas formas na autoficção e na pós-ficção, conceito desenvolvido pelo escritor. Doutor em literatura pela USP, Fuks escreveu um capítulo essa concepção no livro Ética e Pós-Verdade, lançado em 2017.
Em entrevista para André de Oliveira, jornalista do El País, Julián explicou o porquê da preferência pela conceituação enquanto “pós-ficção” ao invés da “autoficção”. Segundo ele, “tem se dado muito destaque para esse elemento da autoficção, ou seja, a ficção baseada em fatos autobiográficos, mas esse é apenas um dos aspectos em que o romance tem se aproximado de outros discursos. Podem acontecer outras aproximações também. Uma aproximação com a historiografia, com o ensaio, com o discurso político, com a filosofia. Há uma série de hibridismos no romance contemporâneo e, por isso, chamo de pós-ficção”.
Fuks explica que, quando a autoficção surge, ela está ligada a um contexto de crise do sujeito, onde a noção de indivíduo se torna problemática. “É a percepção de que a gente não consegue ser fiel aos acontecimentos, não consegue narrar com precisão o que aconteceu, e mesmo quando há o impulso autobiográfico, ele se transforma em algo ficcional”, conta o escritor. Por outro lado, hoje existe a procura de um narrador com voz autêntica que pode ter sido estruturada em oposição à tradição da literatura brasileira de um cenário construído em um cenário social distante do autor.
“Uma nova tentativa de aproximação ao outro pode se dar a partir de um discurso muito próprio, a partir de uma experiência pessoal”, disse Fuks em relação à autoficção. “Não me parece que a autoficção tenha que ser necessariamente narcisista e umbiguista. Pode ser uma autoficção de aproximação ao outro, mas que respeite o meu olhar, a minha voz e minha compreensão de mundo. Para ser, de fato, uma tentativa legítima de aproximação ao outro e não uma tentativa de invenção do outro a partir de um falseamento”, concluiu.
O livro parece trazer uma espécie de insatisfação com a linguagem que configura a construção proposta pelo escritor de sair da própria experiência para encontrar o outro.
Em seu livro A Resistência, é possível perceber o desenvolvimento de sua pós-ficção. Premiado na categoria Ficção do Ano no Jabuti 2015, com o segundo lugar no Oceanos 2016 e finalista do prêmio São Paulo de Literatura, o romance mescla a história de Julian Fuks com a de sua família para contar sobre a adoção do irmão em meio à fuga dos pais da ditadura militar argentina para o Brasil. O relato é permeado pelas reflexões tão comuns a Julián Fuks sobre o processo de escrita e o desenvolvimento linguístico.
No primeiro momento, o título do livro nos remete à resistência dos pais à ditadura argentina e em seu exílio, mas, ao longo do livro, outras resistências passam a ser desenvolvidas, como a resistência do pai em ter filhos, do narrador em contar a história, resistências nas relações entre o filho adotivo e a família, que se intensificam por meio das situações de “sobremesa”. Em um trecho, o próprio conceito de resistência é problematizado: “Resistir: quanto em resistir é aceitar impávido a desgraça, transigir com a destruição cotidiana, tolerar a ruína dos próximos? Resistir será aguentar em pé a queda dos outros, e até quando, até que as pernas próprias desabem? Resistir será lutar apesar da óbvia derrota, gritar apesar da rouquidão da voz, agir apesar da rouquidão da vontade? É preciso aprender a resistir, mas resistir nunca será se entregar a uma sorte já lançada, nunca será se curvar a um futuro inevitável. Quanto do aprender a resistir não será aprender a perguntar-se?”.
No que tange à autoficção, ou pós-ficção, torna-se relevante o conhecimento de que, assim como o narrador Sebastián, Julián tem raízes argentinas, um irmão argentino e pais que se exilaram no Brasil durante a ditadura argentina. Existe, inclusive, uma espécie de metalinguagem trabalhada na história, quando os pais leem o livro e fazem observações acerca da representação deles nas páginas das histórias. Em um dos momentos, Fuks escreve: “É estranho, minha mãe diz, você diz mãe e eu vejo o meu rosto, você diz que eu digo e eu ouço minha voz, mas logo o rosto se transforma e a voz se distorce. Não sei se essa mulher sou eu, me sinto e não me sinto representada, não sei se esses pais somos nós”.
Por fim, o livro parece trazer uma espécie de insatisfação com a linguagem que configura a construção proposta pelo escritor de sair da própria experiência para encontrar o outro. No caso do irmão adotivo, a infrutífera busca pela sua imagem nas linhas escritas e nas memórias frustra o narrador com a emergência de um irmão ficcional, distante da figura concreta que ele tenta emergir no livro. Nesse caminho, é possível visualizar o conflito quando Fuks coloca em contraste o que há de história concreta e o que pode ser realizado com o que resta do passado no sujeito. “Isto é história e, no entanto, quase tudo o que tenho ao meu dispor é a memória, noções fugazes de dias tão remotos, impressões anteriores à consciência e à linguagem, resquícios indigentes que eu insisto em malversas em palavras. (…) Procurei meu irmão no pouco que escrevi até o momento e não o encontrei em parte alguma. (…) Mas o que digo aqui é algo mais grave, não é um formalismo literário: falei do temor de perder meu irmão e sinto que o perco a cada frase”.
A RESISTÊNCIA | Julián Fuks
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 144 págs.;
Lançamento: Outubro, 2015.
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