Às vezes, preciso “pedir aos dias que passem e me deixem”. Essa semana foi assim. Neste caso, poesia pode ajudar. Naturalmente se usada em doses precisas e controladas.
Para que serve a poesia?
Não serei eu a responder a uma pergunta como esta, mas, depois de dez anos convivendo com a chamada “balbúrdia”, tenho uns feelings. Uma das milhões de respostas possíveis, acho eu, é “colocar a realidade entre parênteses”. Ou, para ser mais elegante, causar “estranhamento”. Desnormalizar a realidade. Mostrar que não há nada de normal no real, que a diferença entre o “real” e o “absurdo” é bem pequena, quase de grau. Como na palavra grega para remédio, a qual, parece-me ser amplamente conhecido, servia tanto para o que cura quanto para o que mata.
Bem, digressões à parte, hoje gostaria de apresentar um poeta judeu polonês: Julian Tuwim.
Tuwim (1894-1953) escreveu muito e tinha temas algo inusitados (desde um dicionário do jargão dos bêbados, passando por poesia infantil excelente e terminando numa obra sobre demonologia). Este senhor precisou fugir da Polônia – sua existência estava ameaçada – e, graça do destino, aportou no Rio de Janeiro.
Para que serve a poesia? Não serei eu a responder a uma pergunta como esta, mas, depois de dez anos convivendo com a chamada “balbúrdia”, tenho uns feelings.
Tuwim amou o Rio, suas árvores e suas cores. Naquela que talvez seja sua principal obra, Kwiaty Polskie (As flores polonesas, sem tradução), dedica um trechinho à cidade. Fala da flor do ipê, do jasmim do cabo, de Copacabana, de Ipanema… Acabam lhe faltando palavras para tantas flores.
Era um poema de exílio e um agradecimento à cidade que o acolheu. Mas Tuwim foi embora – muitos outros poloneses que vieram na mesma época, como Zbigniew Ziembinski (primeiro diretor da peça Véu de Noiva, de Nélson Rodrigues), ficaram.
Mas Tuwim foi embora. Foi para os Estados Unidos e, depois, voltou à Polônia, onde permaneceu até sua morte.
O biografismo é uma desculpa minha. Tuwim era um gênio e um grande poeta. Como todos os gênios, era polêmico. Escreveu um poema curiosíssimo intitulado “Uma página dos feitos da humanidade”.
A história da humanidade, segundo vista por Tuwim, é uma série de feitos bisonhamente parecidos, os quais ele, sagaz e mordaz, descreve:
Uma página dos feitos da humanidade
“Feriado, cinema, no horário usual,
a idiota daqui e o cretino local.
Idiota local – disse o cretino daqui -,
vamos ver filme e tomar um açaí?
Responde a cretina daqui: – com gosto,
pois que te amo, idiota local, é posto.
E o cretino daqui sorri com doçura
e com a idiota local inicia a aventura.
Em gostosos folguedos passou uma horinha
E a cretina local ficou bem felizinha.
Ao fim murmurou: cretino daqui!,
Este filme, acho eu, só vai decair.
Queriam um pretzel, um vinho, o açaí
O idiota local e a cretina daqui.
Depois começou a parte carnal
a idiota daqui e o cretino local.
Assim vão arranjar filhão e filhinha
Da cretina, cretinos, do idiota, tolinhas
Que se encontram de novo, no horário usual
A idiota daqui e o cretino local.”
Aquilo a que poderíamos chamar de “filosofia da história” tuwimiana é: dois seres absolutamente desinteressantes vão se encontrar, assistir a um filme desinteressante, se amar, ter filhos desinteressantes que encontrarão outros seres desinteressantes etc. etc. etc.
Apocalíptico, mas não condenatório. Sempre dá para mudar o filme.
P.S.: Naturalmente, açaí não está presente no poema original. Traduzir poesia tem dessas, senhoras e senhores.