A poeta polonesa Wisława Szymborska (1923 – 2012) provavelmente seja o nome da literatura polonesa mais conhecido no Brasil. Por estas plagas, contamos com as antologias Poemas (2011) e Amor Feliz (2016), ambos de tradução de Regina Przybycien e publicados pela Companhia das Letras. Também há vários poemas esparsos publicados. E quem sabe o que o futuro reserva? Aguardemos.
Szymborska era avessa a arroubos, a grandes recitações interpretativas de poemas, e chegou a chamar de “catástrofe de Estocolmo” o anúncio de seu Nobel de Literatura, em 1996.
A autora inicia sua vida literária publicando pequenos poemas laudatórios sobre Stálin (dos quais vem a se arrepender – com razão –, anos depois) e, ao longo de sua obra, vai desenvolvendo um olhar agudo e irônico (traço importante de muitas obras da literatura polonesa) sobre os mais variados (e improváveis) temas. Seleciono alguns.
No poema “Museu”, Szymborska nos convida a olhar objetos em uma exposição: há pratos, alianças, as mais variadas velharias e ninharias. E aonde fomos parar nós, humanos, vencedores da cadeia evolutivas? Bem, Szymborska dirá:
“A coroa sobreviveu à cabeça.
A mão perdeu para a luva.
A bota direita derrotou a perna.”
Nossas criações sobreviveram a nós. Obtiveram maior sucesso, foram mais resistentes. Sobreviveram às guerras que nós inventamos por motivos que nem mesmo Heródoto foi capaz de investigar. Para nosso assombro,
“Metais, argila, plumas de pássaro
triunfam silenciosos no tempo.”
e a nós coube apenas a recordação do significado que demos a tais objetos, significados que eles próprios nunca saberão. Não ficamos sem saber que a própria autora também tem sua competição com um vestido e que “[ela vai] vivendo, acreditem”.
A leitura da poesia de Szymborska pode nos mostrar que, afinal, a vida pode ser séria, mas não precisa ser carrancuda. Por isto mesmo, recomendo sua poesia diariamente, ‘em doses precisas e controladas’.
Muitas vezes, Szymborska nos convida a olhar para que, quem sabe, possamos refletir sobre nossas dores profundamente humanas. Por exemplo, no poema “Divórcio”, há duas menções a seres humanos (filhos e… vizinhos do térreo!).
O poema, contudo, é permeado pela tristeza das coisas miúdas de um divórcio: os móveis, o gato, o cachorro e, no que me parece um momento especialmente inspirado, temos que “para a parede, quadrados brancos depois de retirados os quadros”.
Se a leveza da forma e a profundidade do tema conviviam frequentemente na poesia de Szymborska (embora a autora já tenha pedido perdão à própria fala por tomar emprestado palavras patéticas* e depois se esforçar para fazê-las leves), alguns momentos da autora são claramente engraçados, absurdos.
Podemos ver, por exemplo, versos dedicados ao caso extraconjugal entre Bill Clinton e Monica Lewinsky (felizmente, Szymborska não foi tão melindrosa quanto eu… o pequenino poema pode ser lido aqui, na tradução de Eneida Favre e Piotr Kilanowski). Além disso, poderemos aprender como ser altruísta com seres como ratinhos e nossos pobres deputados.
A leitura da poesia de Szymborska pode nos mostrar que, afinal, a vida pode ser séria, mas não precisa ser carrancuda. Por isto mesmo, recomendo sua poesia diariamente, “em doses precisas e controladas”…
* Palavra de difícil tradução. O uso consagrou “patético” como sinônimo de “ridículo”, contudo, o Houaiss traz, entre as acepções do vocábulo, o sentido de “que ou o que traduz comoção emocional, piedade, pesar, terror ou tragédia”, muito próximo ao polonês patetyczny e ao grego παθητικός (pathetikós).
** No texto sobre O Tradutor Cleptomaníaco, há um pequeno erro. O nome do autor é Dezső, não Dezsö, como eu trouxe. Agradeço ao amigo Marcin Raiman pela correção. Teria sido meu momento cleptomaníaco?