“Quero uma literatura ocupada pela política”. A frase do escritor Julián Fuks, ganhador do Jabuti com A Resistência, levanta o debate da literatura como ferramenta de protesto. Com um discurso engajado e contrário ao presidente Michel Temer, Fuks é um dos nomes de destaque no cenário atual ao colocar em evidência a coletividade – e não o individualismo que tem pautado a onda autoficcional pós-anos 2000.
Os escritores cubanos Wendy Guerra e Leonardo Padura figuram no pelotão de frente contrário ao governo dos irmãos Castro. No Brasil, Ricardo Lísias, que recentemente publicou Diário da cadeia sob o pseudônimo de Eduardo Cunha, também tem usado seus livros para combater a crise política que assola o país. O escritor Pablo Katchadjian fez de seu El Aleph engordado, uma arma contra o status quo da literatura na Argentina ao mexer em um texto de Jorge Luis Borges – o que lhe causou um grande quiproquó com Maria Kodoma, viúva do Maestro (Borges, por sinal, foi durante muitos anos defensor do peronismo, o que acabou com as suas chances de levar um Nobel).
Ainda na América Latina, Eduardo Galeano retratou o Uruguai e otros hermanos em seus livros. Roberto Bolaño fez o mesmo, mas ao invés de evidenciar seu Chile natal, preferiu dar voz ao México, país que o acolheu por um tempo, e também à Espanha. Ao longo dos anos, autores do calibre de George Orwell, Philip Roth, Ian McEwan e Jonathan Franzen fizeram de seus livros verdadeiros exércitos contra questões políticas e assuntos como os costumes da classe média. O francês Émile Zola talvez tenha ido ainda mais longe, ao usar o cotidiano duro e sofrido em minas de carvão para contestar a desigual e o capitalismo.
A literatura precisa ser como a Arte de Hélio Oiticica, precisa ter Parangolés e Bólides, criando um diálogo além da casca, ou seja, uma experiência que transcenda a forma e o conteúdo.
Engajamento
Voltando a Fuks, para ele, a literatura tem de ser engajada e não panfletária. Em outras palavras, ela não pode ser rasa e simplista, ao contrário, precisa mostrar força e desprendimento. “Quando o discurso político se simplifica demais dentro da literatura, se torna caricato e utiliza tipos de personagens que encampam visões dogmáticas da realidade, a literatura pode se tornar, ela mesma, dogmática e panfletária. A minha proposta de literatura ocupada se distancia bastante da literatura panfletária. Não pretendo tematizar exatamente o que está acontecendo em Brasília, por exemplo, mas perceber como a questão política espelha e afeta nossas vidas pessoais. A partir daquela noção feminista de que o pessoal é político, quero perceber como a política tem a afetado o pessoal e como essas histórias individuais, que são desde sempre o interesse do romance, estão marcadas por uma história política e social”, comentou o autor à revista Época.
Nesse sentido, Saramago talvez seja o escritor que melhor soube usar a literatura para criticar a sociedade do consumo e do descarte, além é claro, da religião e da própria literatura. Livros como Ensaio sobre a cegueira, Caim e As Intermitências da morte compõem um painel ardiloso e incrível, capaz de surgir apenas de um olhar arguto e sensível. A literatura precisa ser como a Arte de Hélio Oiticica, precisa ter Parangolés e Bólides, criando um diálogo além da casca, ou seja, uma experiência que transcenda a forma e o conteúdo.