Nas prateleiras das livrarias, é difícil encontrar uma seção tão controversa e mal falada quanto a seção de autoajuda. Apesar de livros voltados ao crescimento pessoal encontrarem imenso sucesso de vendas no mundo todo, as obras de autoajuda são frequentemente consideradas longos biscoitos da sorte, repletas de platitudes, conselhos vazios, obviedades ou métodos milagrosos que prometem revelar a fórmula para obter a felicidade, o amor, o sucesso profissional ou a riqueza material.
Mesmo assim, milhões de leitores recorrem aos livros de autoajuda todos os anos para lidar com todo tipo de problema pessoal e interpessoal, seja de natureza financeira, romântica, sexual ou existencial. Ainda, muitos autores conseguem escapar dos limites das prateleiras de autoajuda e atingem imenso sucesso mainstream, embora suas obras não ofereçam maior valor literário que as de seus concorrentes.
É o caso de 12 regras para a vida: Um antídoto para o caos, de autoria do controverso Jordan B. Peterson, psicólogo clínico e professor da Universidade de Toronto que ascendeu à fama internacional após sua ferrenha oposição pública ao projeto de lei canadense C-16, que visava garantir o respeito à identidade de gênero no país.
Ao recusar-se a referir-se a alunos trans pelos seus pronomes de escolha, Peterson alcançou um sucesso estrondoso e passou a vender-se como uma espécie de paladino da liberdade de expressão, visto por seu séquito de seguidores como um inestimável guerreiro naquela que imaginam ser a grande guerra do século XX: o duelo cultural entre o Ocidente e as forças nefastas do politicamente correto.
Deixe sua casa em ordem…
À primeira vista, 12 regras a vida parece ter o objetivo de estabelecer um conjunto simples de “mandamentos” que supostamente visam auxiliar os leitores a organizar suas vidas e alcançar um nível maior de felicidade e satisfação pessoal.
De fato, Peterson é conhecido por suas palestras motivacionais em que enfatiza a necessidade de organização e disciplina por meio de conselhos básicos como “Limpe seu quarto”, que certamente tem seu valor e podem ajudar na criação de uma rotina mais disciplinada e de uma busca mais eficiente por objetivos pessoais.
Em 12 regras para a vida, a preferência de Peterson por enunciados simples e universais é evidente. Entre algumas das mais conhecidas, “Deixe sua casa em perfeita ordem antes de criticar o mundo” e “Seja amigo de pessoas que queiram o melhor para você” estão entre as mais óbvias, mas também mais aplicáveis; outras, como “Cuide de si mesmo como cuidaria de alguém sob sua responsabilidade”, são um pouco mais complexas, mas também podem oferecer alguma reflexão útil para a vida do leitor.
Peterson busca combater o niilismo da juventude que não vê sentido em mais nada por meio do reestabelecimento dessa ordem supostamente perdida.
Por outro lado, regras como “Não deixe que seus filhos façam algo que faça você deixar de gostar deles” já demonstram um pouco mais daquela que é a verdadeira face dos ensinamentos de Jordan Peterson enquanto intelectual público e figura política de enorme influência: uma forte tendência ao conservadorismo nos campos social, político e cultural.
Ainda, central às ideias de Peterson é a dicotomia entre ordem e caos, que guia boa parte dos mandamentos do livro e das inúmeras palestras e vídeos do autor. Ao oferecer ao jovem desiludido “um antídoto para o caos”, Peterson busca combater o niilismo da juventude que não vê sentido em mais nada por meio do reestabelecimento dessa ordem supostamente perdida.
… mas que tipo de ordem?
Embora pareça pouco mais do que um livro de autoajuda para uma geração de homens frustrados, uma leitura mais cuidadosa de 12 regras para a vida – somada a um conhecimento das ideias defendidas publicamente pelo autor – revela uma ideologia muito mais reacionária do que a superfície aparenta.
Sem deixar sua moral cristã transparecer de forma absurdamente explícita, Peterson consegue falar a língua do seu público, que não necessariamente tem afinidade com a religião. O leitor médio de Jordan Peterson é o homem jovem que se sente marginalizado pela cultura progressista ao seu redor, crença que Peterson reforça ao insistir que o politicamente correto está infiltrado em todas as instituições da sociedade por meio do marxismo cultural.
Com sua cruzada constante contra os “neo-marxistas pós-modernos”, termo contraditório popularizado por Peterson para se referir a todo tipo de defensor de ideais progressistas, a carreira do autor como intelectual público se assemelha à de um Olavo de Carvalho canadense, uma figura quixotesca em constante batalha contra seus próprios espantalhos (um ofício bastante lucrativo nos dias de hoje, diga-se de passagem).
O fato de que Peterson faz uso constante de eufemismos como “civilização ocidental” ou “o Ocidente” para se referir à cultura branca e eurocêntrica é mais um alerta para quem conhece a retórica da extrema-direita estrangeira, em especial a alt-right norte-americana, que utiliza dos mesmos artifícios linguísticos para ocultar preconceitos muito mais perigosos.
Tais elementos, contidos nas entrelinhas de 12 regras para a vida, tornam irrisória a ideia de que Peterson vende ao seu público a imagem de um intelectual “sem ideologias”. Afinal, seu best-seller é nada mais do que uma coletânea de mandamentos básicos que ocultam a mesma ideologia odiosa e violenta que guia os movimentos mais reacionários da atualidade.