John Williams só foi (re)descoberto no Brasil pouco mais de 20 anos após a sua morte quando, em 2015, a – então recém criada – Rádio Londres publicou o magistral Stoner. Três anos mais tarde, a casa lança Augustus, romance histórico escrito por Williams em 1972 e que resgata a trajetória de Caio Otávio, primeiro imperador de Roma e imortalizado pelo nome de Augusto. Para recompor uma vida tão fascinante e cheia de nuances, como a do monarca, o autor criou cartas, passagens de diário e memórias – uma jornada que passa por importantes personagens da História como Júlio César, Cleópatra, Marco Antônio e até mesmo Sêneca.
Esses fragmentos ficcionais são a base de todo o romance, uma estratégia ousada e que, não fosse a precisão cirúrgica de Williams, poderia gerar um resultado, no mínimo, estranho. Augustus, último livro escrito por autor, venceu o National Book Award e sedimentou o nome de John Williams como um dos principais de sua geração. Não à toa, gente do calibre de Ian McEwan, Julian Barnes e Nick Horby figuram na lista de seus admirados e propagadores de sua palavra. E, claro, não é de impressionar tamanha devoção.
Por ocasião do National Book Award, o escritor foi entrevistado para a revista desta instituição. Quando questionando sobre o que seria seu discurso, Williams, um pouco esquentado, afirmou: ‘vou defender a porcaria do meu romance’.
Como A Criação, épico de Gore Vidal, Augustus é certeiro no retrato histórico e na composição de seus personagens sem apelar à uma linguagem que emule – como afetação e deslumbramento – daquele período. Como em um Brasil pré-eleitoral, a Roma de Caio Otávio é o celeiro perfeito para todas as formas de corrupção e conspiração. Do assassinato de Júlio César à sede de vingança do protagonista, o livro se constrói como uma Torre de Babel em que, propositalmente, ninguém parece se entender.
Beleza monstruosa
Longe de ser pretencioso, Augustus não se arrasta, mas o leitor precisa ser cauteloso no que diz respeito aos nomes: são tantos Marcos e Caios – talvez o calcanhar de Aquiles da obra. Mas a culpa é da História e não de Williams que, ao contrário do que se possa imaginar, consegue dar ordem à narrativa. Ainda que não se pretenda como biografia do fundador do Império Romano, o romance levanta questões típicas deste gênero, criando a ideia de Williams como historiador e desbravador.
Nesse sentido, o livro se debruça com um cuidado minucioso que maioria dos biógrafos não se permite. O fracasso comercial do livro – que vendeu pouco mais de 10 mil cópias, número considerado baixo para os Estados Unidos na década de 1970 – coincidiu com o declínio da saúde de John Williams. Quando decidiu se aposentar, em 1984, ofereceu seus manuscritos para a biblioteca da Universidade de Denver, que se negou a recebê-los. Um erro emocional e histórico.
Por ocasião do National Book Award, o escritor foi entrevistado para a revista dessa instituição. Quando questionando sobre o que seria seu discurso, Williams, um pouco esquentado, afirmou: “vou defender a porcaria do meu romance”. Com toda a certeza, sabia que havia concebido algo inigualável e, até agora, inatingível. Augustus é livro com uma beleza monstruosa, impossível de ser decifrado – nasceu para a contemplação mais pura da arte.
AUGUSTUS | John Williams
Editora: Rádio Londres;
Tradução: Alexandre Barbosa de Souza;
Tamanho: 384 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2018.