Viver é estar num instante. Não mais que um instante. E cabe à literatura, e também a outras linguagens, fotografar e interpretar esses mesmos instantes. Kafka olhou o mundo pelo buraco da fechadura em um quarto escuro. Borges, cego da visão, imaginou que tudo fosse uma grande biblioteca. Bolaño pensou o mundo em convulsão de tantas revoluções. E Alejandro Zambra viu a vida como um bonsai. Bonsai, seu primeiro livro publicado por aqui, é uma narrativa simples: Emilia morre e Julio fica sozinho. E essa configuração já fica combinada no primeiro parágrafo. Não tem volta.
É nesse intervalo – entre nascer e morrer – que a vida acontece. Nada mais óbvio. Mas é também sobre esse intervalo que Zambra cria um dos textos fundamentais da literatura latino-americana contemporânea. Bonsai é uma novela sobre mutações e sobre orbitar em torno do outro. Sua cadência narrativa – é sempre como uma conversa, um murmúrio no ouvido do leitor – dá um tom intimista e de proximidade. Entretanto, existe sempre algo impossível de alcançar. Talvez, a felicidade.
A ideia do inatingível vai percorrer a prosa do autor como uma obsessão. Está nos contos de Meus documentos ou nas relações de A vida privada das árvores. É, sem dúvida, o seu zahir. É nesse limite, entre as realizações e os fracassos, que Zambra faz o percurso dos personagens. A morte de Emilia não é o que leva Julio à solidão: essa seria a sua condição inexoravelmente. Ambos estão sujeitos à danação. É com gente real, pessoas de carne viva que chora e sangra, que a literatura do chileno é erguida. Por isso, há tantos limites, físicos e psicológicos, como um bonsai. Ou seja, o livro é uma metáfora viva.
Bonsai é, acima de tudo, um visão emocionante de existência idílicas e idealistas, mas cujo fim é encarar a verdade uma hora ou outra.
Bonsai não é um catálogo de elevações à potência máxima. Zambra formaliza as sensações e os desprendimentos de seus personagens. É preciso ler para além das linhas. As situações mais simples – ler juntos Macedônio Fernández ou fingir ter devorado Em busca do tempo perdido – se transformam em exegeses de uma beleza única. São retratos, polaroides manchadas, da vida real.
Passado e presente
Alejandro Zambra é um dos grandes autores da sua geração. Sua literatura reflete as angústias da geração pós-ditadura: são homens e mulheres cujas inseguranças são sintomas dos regimes militaristas, ao mesmo tempo em que tentam se libertar das amarras com o passado. São realidades duras onde passado e presente se confundem em linhas tão tênues e instáveis.
Bonsai é, acima de tudo, um visão emocionante de existência idílicas e idealistas, mas cujo fim é encarar a verdade uma hora ou outra.
BONSAI | Alejandro Zambra
Editora: Cosac & Naify;
Tradução: Josely Vianna Baptista;
Tamanho: 93 págs.;
Lançamento: Maio, 2012.