Logo nos primeiros minutos de La Dolce Vita vemos Marcello Rubini, o personagem de Mastroianni, vivendo Roma e as mulheres italianas em sua plenitude. Fellini cria uma cidade mítica, um espaço que só existe naquele recorte e Rubini sabe se movimentar com precisão dentro desse tabuleiro onírico. Roberto, o protagonista de Brava Serena, de Eduardo Krause, habita a mesma Roma felliniana, o mesmo mundo flutuante construído pelo cineasta – e que é o ambiente de Oito e meio, Roma, Os boas-vidas, Satyricon e tantos outros filmes.
O romance de Krause parte, por sinal, de uma premissa bastante coerente ao universo de Fellini: um homem que deixa a realidade para viver uma espécie de existência paralela. Roberto, um aposentado brasileiro sem vínculos com seu país e o seu povo, decide viver seus últimos anos na capital italiana. O plano, a princípio, era o da invisibilidade e do silêncio, revivendo os ecos da lua de mel que experimentou quatro décadas antes com a esposa, Alice, já falecida.
Tudo muda quando o velho encontra Serena, a filha da dona da pensão em que está hospedado. Krause usa os dois personagens, tão díspares, para criar um espelhamento. Roberto e Serena são o oposto e é nesse jogo de poder – travestido de sabedoria e curiosidade – que o livro esconde sua força-motriz. Enquanto Roberto quer reviver o passado – mergulhar na sua própria memória –, Serena quer desvendar os mistérios da juventude – entrar por inteira na vida. É a mesma experiência estética proposta por Paolo Sorrentino em A Grande Beleza e Juventude, porém, com a ironia e o humor tão característicos de Krause.
A densidade das ideias é camuflada por uma narrativa fluída, sensível e inteligente que, ao mesmo tempo, brinca com leitor a respeito dos lugares-comuns que sobrevoam o imaginário acerca de Roma.
Ao longo de todo o livro nos deparamos com imagens construídas em cenas delapidadas, no melhor sentido da literatura realista. Ainda assim, como se Krause criasse um romance fotográfico à beira da fantasia, é possível enxergar uma aura mágica, uma experiência capaz de carregar o leitor para o não-lugar de Marc Augé. Há, em todo o romance, um senso de urgência e desprendimento, sensações que, de tão inversas, se complementam no campo narrativo.
Como Pasta Senza Vino, estreia de Krause e que também se debruça sobre a temática ítalo-brasileira, Brava Serena é um romance de identificação, uma história sobre pertencimento e entendimento. A densidade das ideias é camuflada por uma narrativa fluída, sensível e inteligente que, ao mesmo tempo, brinca com leitor a respeito dos lugares-comuns que sobrevoam o imaginário acerca de Roma. Krause constrói uma história firme e divertida, que usa de uma linguagem bem alicerçada – e que investiga os espaços em branco entre o português e o italiano – para expressar as questões mais banais da natureza humana.
BRAVA SERENA | Eduardo Krause
Editora: Não Editora;
Tamanho: 320 págs.;
Lançamento: Maio, 2018.