O poeta Mário Pirata observa, na orelha de Eletrocardiodrama (Laranja Original, 2016), de Germana Zanettini, que a linguagem autêntica da poeta gaúcha “faz parecer que escrever poemas é algo fácil”. Os trocadilhos, aliterações, assonância que a autora usa desmentem a aparente facilidade. Ela segue a cartilha do modernismo, demonstrando que o verso é inversão de clichês e desmontagem de discursos burocráticos:
“miragem”
“você diz isto a todas
que lhe mostraram os dentes
pentearam os cabelos
e até mesmo
(e principalmente)
àquelas que despiram
corpo, almas e certezas
na sua frente
você diz isto a todos
e de tanto ouvir sua voz
vê? narciso está morto
afogado e enterrado
em teu perpétuo mar de engodos
você diz isto a todas
plebeias, rainhas
vilãs e mocinhas
que por trás de uma superfície
tão polida e asseada
esconde-se tamanha tirania
e uma maçã envenenada?
você diz isto a todos
e pode bradá-lo aos quatro ventos
mas você jamais poderá
fazer parar o tempo
e tampouco será capaz
de captar o que realmente
trazemos por dentro
está sempre por um triz
quem confia
naquilo que um espelho diz”
Situações do cotidiano, como viajar de avião ou receber uma ligação de um atendente de telemarketing, entediantes para mortais comuns, tornam-se inspiradoras para a poeta. Ela avisa que “a vida / não vem equipada / com saídas de emergência” e, “ao lauro do telemarketing”, que insiste em vender um cartão de crédito, diz preferir “um daqueles antigos/ escritos à mão”: Refuta a mercadoria com a ironia romântica:
“não me fale sobre os juros, não quero saber sobre os juros
eu quero as juras, lauro, apenas as juras de amor!
ainda que um dia elas possam quebrar…
se até a bolsa quebra, por que seriam as juras
inquebrantáveis?
não, lauro, da bolsa de valores nada sei, porém
carrego uns versos
dentro de minha bolsa de couro sintético, pode ser?” (página 34)
Nesta altura, já estamos cientes da potência de seu humor: as situações românticas são apenas um pretexto para demonstrar uma visão cética sobre as relações afetivas.
“corte”
“a faca em punho
a alma em riste
e uma só jura:
nunca mais
voltaria a ser
aquela tola
de hoje em diante
choraria apenas
pelas cebolas?” (página 39)
Situações do cotidiano, como viajar de avião ou receber uma ligação de um atendente de telemarketing, entediantes para mortais comuns, tornam-se inspiradoras para a poeta.
O discurso antirromântico é ferino em relação às mulheres que servem ao padrão global de qualidade. “as mulheres da televisão” descreve as que sempre estão de prontidão, maquiadas e sorridentes:
“as mulheres da televisão”
“sempre acertam
a marca do sabão
e removem até
as manchas mais difíceis
sem estragar as unhas” (página 92)
E o riso serve à denúncia de que este modelo de mulher é um artifício. A derrisão do mito romântico segue até as tristes estatísticas repetidas à exaustão no Dia da Mulher: A síntese e contundência do poema a seguir o fez viralizar na internet:
“oito de março”
“uma vez por ano
um homem
apanha flores
a cada cinco minutos
uma mulher
apanha” (página 97)
Germana Zanettini é poeta, tradutora, editora e jornalista. Natural de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, escreve desde 2011. Foi finalista do Prêmio Açorianos de Criação Literária (Porto Alegre, 2012) e participou da exposição Poesia Agora, realizada no Museu da Língua Portuguesa (São Paulo, 2015), e da antologia Blasfêmeas: mulheres de palavra (Casa Verde, 2016).
ELETROCARDIODRAMA | Germana Zanettini
Editora: Laranja Original;
Tamanho: 103 págs.;
Lançamento: Maio, 2017.