Quando Quentin Tarantino apareceu com Cães de aluguel, logo nos primeiros anos da década de 1990, um dos elementos que mais saltava aos olhos, e aos ouvidos, era a qualidade dos diálogos, construções bem-ajambradas de questões do dia a dia, com certa dose de casualidade e musicalidade, que chegariam ao ápice no longa seguinte, Pulp Fiction, na conversa entre Vicent e Julius sobre o McQuarteirão. Um papo, aparentemente inocente, que revelava o caráter e a personalidade dos dois gangsters.
Em Era uma vez em Hollywood, a estreia literária de Quentin Tarantino, na verdade uma adaptação de seu filme mais recente e homônimo, o cineasta está mais brando. Morno, talvez seja a palavra certa. A selvageria que passa toda a filmografia de Tarantino, e que ganha um toque ainda mais arty em Kill Bill, nos dois volumes, é uma ausência sentida no livro e no filme.
Ainda que o longa se dê melhor que o romance, existe um amadurecimento na ficção de Tarantino que atravessa a ambos. Nas páginas, entretanto, a teatralidade e a frieza tomam conta da construção das frases. É como se tudo estivesse encaixado, as arestas aparadas, mas faltasse o punchline. Não há estilo. Não há o calor das conversas de Django Livre ou Bastardos Inglórios, nem mesmo a perspicácia de Jackie Brown ou À Prova de Morte. Tarantino, definitivamente, cresceu.
Ao longo das quase 600 páginas do livrinho em formato pocket, uma bem pensada estética de Quentin, Era uma vez em Hollywood vai preparando o leito para algo que não chega em definitivo. A história é sabida: um ator decadente e seu amigo-severino-dublê em uma espécie de tentativa de se recolocar no mercado cinematográfico.
Se no filme o final desagradou a muitos – eu, particularmente, gostei –, o encerramento do livro é ainda mais esquemático e simples. Em certa medida, está tudo no lugar, mas é… morno. Não empolga. Até certo ponto, isso é desconcertante. Por outro, é colocar o leitor como testemunha das investigações de um artista inquieto e brilhante – mesmo que nada disso justifique algumas escolhas.
Era uma vez em Hollywood é uma obra modesta para um artista como Quentin Tarantino, mas representa também um novo caminho a ser trilhado.
É difícil apontar para onde Tarantino vai em termos de literatura. Quem sabe com uma história original as questões problemáticas fiquem mais bem resolvidas.
Tudo misturado
Era uma vez em Hollywood é apinhado de referências. São personagens reais que contracenam com ficcionais. São citações de diretores de cinema a produtores, dublês e até situações verificadas. Tudo misturado.
Isso dá sabor, mas não é suficiente para segurar a história. Não passa de uma piscadela para os fãs. É interessante, no entanto, perceber que esse mundo de citações de Tarantino é o que se comporta com mais organicidade dentro da narrativa. É possível ver seu dedo na construção daquelas cenas e situações, polvilhando suas predileções e preferências.
Era uma vez em Hollywood é uma obra modesta para um artista como Quentin Tarantino, mas representa também um novo caminho a ser trilhado. São grandes as chances de que seu próximo trabalho no cinema seja o último e, a partir dessa aposentadoria, se dedicaria somente à literatura. Se o projeto se concretizar, que tenhamos frutos literários melhores.
ERA UMA VEZ EM HOLLYWOOD | Quentin Tarantino
Editora: Intrínseca;
Tradução: André Czarnobai;
Tamanho: 560 págs.;
Lançamento: Junho, 2021.