A vida nos cobra o seu preço por nos tornarmos adultos. O fantástico mundo dos boletos e das reuniões de condomínio se abre diante dos olhos dos jovens que guardam dentro de si não apenas a expectativa de um futuro cheio de possibilidades que ainda estão se moldando, como também a memória de um passado que já está bastante definido e que às vezes é um tanto cruel em sua imobilidade. Há um jogo de sombras no meio deste caminho que parece interessar o gaúcho Michel Laub, um dos melhores escritores da literatura brasileira contemporânea.
Em Longe da Água, publicado pela editora Companhia das Letras, ficamos conhecendo o narrador e o seu melhor amigo, Jaime. Os dois adolescentes estão surfando em Albatroz, um balneário do Rio Grande do Sul, quando um acidente ocorre e acaba por marcar de forma dilacerante a vida do protagonista.
Já com 30 anos e emocionalmente destroçado, o narrador procura relembrar aquele período tão importante de sua vida, a escola, a família e também a ex-namorada de Jaime, Laura. O livro é bem curtinho, mas Laub consegue nos apresentar com bastante precisão um curioso panorama do amadurecimento destes personagens.
O livro é bem curtinho, mas Laub consegue nos apresentar com bastante precisão um curioso panorama do amadurecimento destes personagens.
O autor procura compreender os efeitos de uma tragédia na vida de uma pessoa e o faz de uma maneira muito sensível, observando o caráter mais humano da questão, a partir do peso das memórias construídas a partir de uma experiência traumática e das dificuldades de lidar com o mundo depois disso: “estar diante do psicólogo com curso de pós-graduação é o mesmo que acatar os conselhos solidários, as pessoas que se aproximam com as frases de programa, você não pode guardar essas coisas, você precisa desabafar: o mundo inteiro espera por um diálogo esclarecedor, um diálogo de cura, todos acham que é uma tarefa simples, um mecanismo que você aciona para que a alegria e a disposição subitamente tomem conta, e todos possam ficar alegres também, todos possam se alegrar da própria alegria”.
Esta cicatriz psicológica vai sendo esmiuçada através de uma história que oscila entre o passado e o presente, num crescente tom de tensão e desolamento. Vemos aqui um escritor que possui um invejável apuro técnico, numa obra em que as frases são muito precisas e fogem de qualquer afetação. Não que o autor seja frio ou meramente objetivo, pelo contrário, ele encontra ranhuras na simplicidade cotidiana e arranca dali um lirismo profundo e às vezes inesperado, tudo isso de uma maneira muito cristalina para o leitor. Tal como André de Leones (leia a crítica aqui), Michel Laub é um escritor bastante seguro e que tem pleno controle da estrutura narrativa fragmentada, algo que ele conseguiu aperfeiçoar de forma ainda mais brilhante naquele que talvez seja o seu melhor trabalho até o momento, o excelente Diário da Queda.
Longe da Água nos crava no peito aquela angústia de sentir que o passado jamais mudará, independentemente do que façamos no presente. E, você sabe, nem todo mundo se orgulha daquilo que já foi um dia. Resta-nos então o conforto do esquecimento, mas mesmo que o passado deixe de doer, sabemos a cicatriz estará sempre lá.
LONGE DA ÁGUA | Michel Laub
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 120 págs;
Lançamento: Abril, 2004.