Em situações adversas mais do que nunca perdemos o controle sobre a situação, se é que o temos em algum momento de fato. E é diante de tais circunstâncias que parece aflorar o pior e o melhor que pode haver em nós. De forma escancarada e sem sutilezas, Paulo Sandrini explora essas emoções em Peixes Coloridos de Alto-mar (Kafka Edições, 2017), por meio da busca de um pai pelo amor de sua filha, em um mundo em colapso.
Escrito originalmente em 2003, esse romance parte de uma premissa aparentemente simplória – pais divorciados que se desentendem constantemente e buscam garantir o afeto da filha -, que toma um “colorido” especial quando mergulhada em um cenário pós-apocalíptico com tudo que se tem direito: pragas na forma de manchas escuras que surgem na pele, bruscas mudanças climáticas, morte, fome e falta de higiene por onde quer que se olhe.
Como se não bastasse esse panorama desolador, o narrador ainda tem que enfrentar a maldade de seus pares e aquela que vive dentro de si. Pois, em um mundo sem perspectivas o que sobressai é a violência e o egoísmo. Mas há espaço também para o carinho, amor e amizade, expressos de maneira singela, que precisam da atenção do leitor para serem percebidos e apreciados.
“O mundo deixou de ser, para essa gente daqui, um enorme armário de banheiro para se mostrar – sem mais a perfumaria criada pelo ser humano – como verdadeiramente é: um organismo doente e em estado de putrefação” – página 76
Escrito originalmente em 2003, esse romance parte de uma premissa aparentemente simplória – pais divorciados que se desentendem constantemente e buscam garantir o afeto da filha.
Além das situações externas, o pai parece enfrentar também uma guerra interna. Como um cão que mais ladra do que morde, em muitos momentos evidencia-se um certo autodesprezo por suas inseguranças e incapacidade de fazer o que é preciso.
Tudo isso nos é descrito de forma bastante crua, despida de pudores, pelos olhos de um pai que acima de tudo quer manter os laços de afeto com a filha, a pequena Giulia. Ao longo da narrativa, por mais e maiores que sejam as batalhas enfrentadas, as dificuldades e percalços se acumulam. Não há o certo e o errado, mas sim o necessário para se conseguir aquilo que almeja.
“Quero quebrar os espelhos, destruir a mim mesmo, começando pelo meu reflexo – os tempos não estão afeitos a vaidades, só podemos sobreviver aceitando nossa real condição de organismo em processo de decomposição a cada passar de hora, minuto, segundo – rumo aos vermes.” – página 110
O texto é construído de maneira peculiar, na qual os diálogos se misturam às descrições e aos pensamentos do narrador. Os parágrafos são longos e, por vezes, temos repetições de palavras e espécies de trava-línguas, que demonstram o estado mental do personagem, que vai da apatia à raiva extrema, da alegria ao desespero. Essa intensidade está presente em todo o texto.
Além das situações singulares, outro aspecto que prende a atenção do leitor é que o narrador não é identificado por nenhum nome. Sabemos que é o pai de Giulia, ex-marido de Helena e amigo do tenente William Barrety. Temos então, um personagem principal anônimo, identificado apenas por seus relacionamentos. Talvez a sua jornada não seja apenas em busca da filha, mas também por si mesmo.
Paulo Sandrini nasceu em Vera Cruz (SP), em 1971. Viveu em Bauru (SP) até 1994, quando se mudou para Curitiba. Graduado em Design Gráfico, mestre e doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Publicou os livros O Estranho hábito de Dormir em Pé (2003), Códice d’Incríveis Objetos & Histórias de Lebensraum (2005), Osculum Obscenum (2008), O Rei Era Assim (2011), Exposição das Tripas (2014) e Balido do Branco (2017). Participou de coletâneas no Brasil e exterior (Peru, Argentina e México).
PEIXES COLORIDOS DE ALTO-MAR | Paulo Sandrini
Editora: Kafka Edições;
Tamanho: 170 págs.
Lançamento: Outubro, 2017