O encontro do escritor norte-americano Howard Buten com um garoto autista, quando ainda era muito jovem, mudou sua vida para sempre. Sua obsessão pelo tema o levaria a estudar psicologia e seria o estopim para que escrevesse sua obra máxima, Quando eu tinha cinco anos eu me matei, recém-lançada no Brasil pela Rádio Londres. Burt Rembrandt é um garoto de oito anos, sensível e confuso, incapaz de expressar com precisão seus sentimentos.
Buten cria uma narrativa pungente que, combinada a elementos do nonsense, projeta o leitor para o universo íntimo do pequeno Burt, cujo limite entre a realidade e o devaneio é extremamente tênue. Para compor esse complexo cenário, o autor – que mora há muitos anos em Paris, cidade na qual fundou uma clínica especializada em casos de autismo – usa a linguagem de maneira livre e pouco apegada às normatizações. É possível ouvir a voz do narrador falando aos ouvidos, como uma conversa em sintonia fina.
Questões delicadas são trazidas à tona com naturalidade e apreensão. Após agredir Jéssica, uma aluna da escola em que estuda, Burt é levado para Centro de Internamento Infantil. Enquanto narra sua chegada à clínica, Burt vai recontando episódio cotidianos – como um passeio ao zoológico ou quando ficou observando Jéssica em frente de casa. Com uma imaginação farta de referências próprias ao universo infantil, logo cenas comuns se transformam relatos fantasiosos e mágicos.
Buten é uma voz autêntica entre um turbilhão de descartáveis.
Romance de uma geração
Talvez a comparação mais fácil de se fazer com Burt seja com Holden Caulfield, personagem célebre d’O Apanhador no Campo de Centeio, de Salinger. Sua astúcia e inocência remetem a Lawrence Breavman, alter ego de Leonard Cohen em seu primeiro romance, A Brincadeira Favorita, porém, com uma explosão imagética e imaginária de maiores proporções.
Howard Buten constrói em Quando eu tinha cinco anos eu me matei um intenso retrato da infância. Há certa potência em Burt, que não é descrito como autista, embora algo fique mais implícito à sociopatia, como uma rebeldia latente – o que Camus chamaria de “revolta metafísica”, contra sua própria natureza e criação. Nesse sentido, o protagonista parece consciente de si, discernindo e aceitando a si, ao mesmo tempo em espera ser aceito.
Tamanha complexidade narrativa explica a recusa do público e da crítica à primeira edição do livro, publicada como Burt em 1981. Somente quando a edição francesa ganhou as lojas, três anos mais tarde, sob o título de Quand j’avais cinq ans je m’ai tué, é que a história de Burt recebeu atenção. Isso só confirma que Buten é uma voz autêntica entre um turbilhão de descartáveis.
QUANDO EU TINHA CINCO ANOS EU ME MATEI | Howard Buten
Editora: Rádio Londres;
Tradução: Alexandre Barbosa de Souza;
Tamanho: 192 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2016.