Os planos de Renato Russo eram depois dos 40 anos deixar a música e se dedicar inteiramente à literatura e/ou cinema. Os planos foram seguidos, mas somente após a sua morte. A ligação do vocalista da Legião Urbana era gigantesca e transpareceria facilmente nas suas músicas – ”A Tempestade” (Shakespeare), “A Montanha Mágica” (Mann), “La Nuova Gioventú” (Pasolini) só para citar exemplos óbvios e rápidos. O jornalista Arthur Dapieve, na biografia O Trovador Solidário, conta que, no ensino fundamental, Renato era um aluno prodigioso em suas leituras, chegando a “assombrar” seus professores.
Com uma relação tão íntima e intensa com a literatura, é natural que o cantor também escrevesse ficção. A Companhia das Letras, que está responsável pelo espólio de Renato, lançou há pouco The 42nd Street Band (216 páginas), espécie de roman à clef e diário de uma banda imaginária – que dá nome ao livro. Totalmente escrita em inglês, e traduzida pelo curitibano Guilherme Gontijo Flores, a obra narra a história de Eric Russell, pseudônimo de Russo – que à época ainda era Manfredini – e líder do grupo.
O que se percebe é que ali nascia o embrião do rockstar que habitava Renato, que anos depois formaria o Aborto Elétrico, a primeira banda punk de Brasília e foco da cena musical que “assolaria” a cidade em seguida.
The 42nd Street Band foi formada em Londres, em 1974, pelos heróis do autor na juventude e alguns personagens que o próprio Renato criou enquanto estava acamado por conta da epifisiólise, uma rara doença óssea. Foi durante esse tempo de molho que exercitou suas habilidades como letrista e escritor, chegando a ter cartas publicadas nos semanários New Musical Express e Melody Maker (sempre assinando como Eric Russell).
Para fã
Até certo ponto, o livro só faz sentido para que é fã de Renato ou da Legião Urbana. Uma verdadeira colcha de retalhos, que precisou ser costurada por Tarso de Melo, The 42nd Street Band é interessante do ponto de vista histórico e, claro, pessoal, mas não é uma peça ficcional fundamental ou indispensável.
O livro é delicioso e instigador, mas pelas referências aos anos 60 e 70, apresentando um adolescente maduro – Renato tinha entre 15 e 17 anos. A história começa com o encontro de Eric com dois primos, Nick e Jesse, para depois seguir até a formação do grupo. Quem conhece a história de Russo sabe que ele teve um primo muito importante na sua formação – inspiração para “Dado viciado” e “Construção civil” – com quem chegou a ter um caso, que escandalizou toda a famílias.
The 42nd Street Band está cheio de referências autobiográficas. É preciso caçá-las e essa é uma diversão à parte. Como um álbum redux, o livro possuiu bônus tracks, que são textos filosóficos escritos por Russell – inclusive um texto supostamente escrito em sueco. No final, o que se percebe é que ali nascia o embrião do rockstar que habitava Renato, que anos depois formaria o Aborto Elétrico, a primeira banda punk de Brasília e foco da cena musical que “assolaria” a cidade em seguida.
THE 42nd STREET BAND | Renato Russo
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Guilherme Gontijo Flores;
Tamanho: 216 págs.;
Lançamento: Outubro, 2016.