O titulo do romance Nossa Teresa – vida e morte de uma santa suicida (Editora Patuá, 2014), de Micheliny Verunschk, induz a pensar em uma hagiografia tradicional, que descreve os martírios, as lendas, as revelações, a devoção e os milagres e o processo canônico de beatificação de um santo, beato, virgem. Mas a história da jovem Teresa de V. nascida numa cidade do interior, não é uma hagiografia.
Ao contrário da vida espetaculosa de outros santos, como os irmãos pastores Francisco, Jacinta e Lucia, da pequena aldeia de Fátima, em Portugal, que tiveram visões com Nossa Senhora, em 1917, as visões e milagres de Teresa não são o fato principal da narrativa.
Contada por um velho narrador ao estilo machadiano, usa o recurso de interpelar o leitor para que este se torne um cúmplice. A história da santa é um mosaico em que os vitrais são mostrados a cada capítulo: é em estilhaços que o narrador traz imagens de Teresa. A morte da jovem, acontecida 30 anos antes de sua beatificação, comprova que, para os suicidas, o tabu em relação a seu ritual de morte prossegue até mesmo no túmulo:
“O cemitério divide-se em dois. No fundo, há um longo muro que separa a ala dos católicos, os ‘mortos de bem’, dos ‘outros’. Um portão serve de comunicação entre os dois lugares que coexistem num só. A ala dos ‘outros’, chamada de Cemitério de Proscritos, é pitoresca. Suas muitas lápides vão se amontoando umas sobre as outras como se fossem pedras caídas de um dominó. […] Nessa ala, conhecida pela boca miúda como a terra dos bodes, os ocupantes são os suicidas, os primeiros protestantes, alguns criminosos, uma família estrangeira, e um escritor, que deixou em testamento o desejo explícito de ser sepultado entre os ‘outros’.” (páginas 34 e 35)
É no Cemitério dos Proscritos que vamos encontrar o fio que une a história de Teresa à de sua avó, Severa, também uma suicida. A mulher, grávida aos 45 anos de seu amante, um escritor, para não ser morta pela vergonha, dá um tiro no peito. Esta ponte com uma antepassada sua leva a várias digressões sobre suicídio e suicidas.
Nossa Teresa é menos um romance sobre a vida de uma santa e mais um labirinto em que se investiga como a religião pode servir a uma ambição pessoal e mundana.
Outro vitral apresentado é a história do padre Simão, um carreirista religioso que graças a seu talento oratório se torna Papa. Os pobres, Simão ameaça com o inferno, elogiando a submissão; os ricos, aplaca as culpas com conselhos e pedidos de ajuda para obras e eventos da igreja. Em sua escalada hierárquica, Simão não hesita em derrubar um outro colega que se dedica à defesa e assistência aos desvalidos. Como o padre angaria atenção dos mais pobres, o futuro Papa decide emboscá-lo. Num almoço, arma uma intriga que resulta num escândalo sexual com o rival.
“E assim Simão dormiu em paz na noite em que Tarcísio passou pela paróquia para se confessar e despedir. Tinha consigo a certeza de que os caminhos para se alcançar a mão de Deus são mais que tortuosos e de que tudo o que havia acontecido fora para o bem de todas as almas. E para o bem ou para o mal, dificilmente os fortes se quebram. Sua tendência é que se juntem em feixes com outros fortes para, claro, açoitar os fracos.” (página 54)
Teresa e o padre Simão, que quando se torna Papa, a canoniza, nasceram na mesma cidade. Um dia, ela confessa que um anjo revelou que ela seria santa depois de sua morte e ele, Papa. O padre, a princípio, se assusta. Depois, deixa-se enlevar-se pela ambição e acredita na profecia. Na confissão da jovem, entrelaçam-se o seu martírio e a ascensão do religioso. Este entrelaçamento será fatal para determinar o destino de ambos. Nossa Teresa é menos um romance sobre a vida de uma santa e mais um labirinto em que se investiga como a religião pode servir a uma ambição pessoal e mundana.
Micheliny Verunschk é doutora em Comunicação e Semiótica e mestre em Literatura e Crítica Literária, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nascida em Arcoverde/PE e radicada no estado de São Paulo, é autora dos romances Aqui, no coração do inferno (Patuá, 2016), Geografia Íntima do Deserto (Landy, 2003), O Observador e o Nada (Edições Bagaço, 2003) e A Cartografia da Noite (Lumme Editor, 2010).
Foi finalista, em 2004, ao prêmio Portugal Telecom como livro Geografia Íntima do Deserto. O romance Nossa Teresa – vida e morte de uma santa suicida – ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura 2015 na categoria melhor romance – “autor estreante acima de 40 anos”.
NOSSA TERESA – VIDA E MORTE DE UMA SANTA SUICIDA | Micheliny Verunschk
Editora: Editora Patuá;
Quanto: R$ 30,00 + frete (192 págs);
Lançamento: Janeiro, 2014.