Ninguém mais tem o mesmo tempo para ler como antes. Ao menos é o que diz o senso comum. Em contraponto ao índice de leitura que cresceu 150% entre 2000 e 2010, estão os 44% da população que não tem o costume de ler e os outros 30% que jamais comprou um livro. Nesse cenário, cada vez mais preocupante, o noticiário da internet se tornou, aos poucos, um drops, um conteúdo raso, superficial daquilo que poderia ser aprofundado. A pós-verdade, os fatos alternativos e, obviamente, as fake news, levam os leitores mais críticos à descrença.
O recente pedido de recuperação judicial da Abril talvez seja a pá de cal sobre o jornalismo tradicional. Ainda que a Veja esteja mais interessada em joguetes políticos que na imparcialidade da cartilha jornalística, a situação periodismo é alarmante. Se o espaço para o hard news, o conteúdo factual e do dia a dia está escasso, o que não dizer do jornalismo literário? Dos veículos de grande circulação no Brasil a revista Piauí é o único que consegue, por mais boa vontade que lucro, manter vivo o gênero que transformou o noticiário.
Na contramão, os podcasts de storytelling, espécie de programas de rádio distribuídos via internet e por demanda, isto é, quando o ouvido deseja, têm ganhado espaço. (O storytelling é a narração de histórias, neste caso, verdadeiras). Lá fora, e entenda Estados Unidos, os programas This American life, Love + Radio e The Memory Palace, que virou livro por aqui com tradução de Caetano Galindo, são referência no gênero. No Brasil, destacam-se o Projeto Humanos, encabeçado pelo curitibano Ivan Mizanzuk, o Escriba café e Histórias de ninar para garotas rebeldes, produzido pelo B9, licenciado de uma iniciativa gringa e inspirado em um livro homônimo.
Alternativa
A mídia podcast é uma alternativa ao jornalismo de TV, rádio e dos sites de notícia. Sob esse prisma, não é difícil imaginar que o jornalismo literário também passou a fazer parte dessa “nova” empreitada. Contar histórias faz parte da natureza humana. Como explica Yuval Noah Harari, em Sapiens, a fofoca é o que uniu o homem. Segundo o autor, atual queridinho dos millennials, um dos primeiros interesses em comum entre diferentes grupos foi a necessidade de contar histórias – sejam elas falsas ou verdadeiras. Não é à toa o crescimento do número de podcasts baseados em experiências reais.
A mídia podcast é uma alternativa ao jornalismo de TV, rádio e dos sites de notícia. Sob esse prisma, não é difícil imaginar que o jornalismo literário também passou a fazer parte dessa ‘nova’ empreitada.
Em 2015, a Forbes publicou uma lista com 6 motivos pelos quais o podcast significa o futuro do storytelling. Um dos motivos pelos quais a revista cresceu os olhos sobre é justamente a conectividade dos smartphones com os carros, um dos momentos prediletos dos ouvintes. De acordo com uma pesquisa, veiculada há três anos, 42,33% do público de podcasts consome o conteúdo enquanto vai para o trabalho. Em 2018, o índice deve estar perto de 50%.
Trânsito
A média do brasileiro no trânsito é de 30,3 minutos, de acordo com levantamento de 2015. Em São Paulo, o tempo gasto no deslocamento de casa até o trabalho chega a quase 3 horas. Com o transporte coletivo lotado, a mobilidade individual de carro – o que torna óbvia a impossibilidade de leitura –, o podcast se tornou uma boa opção.
Claro, isso não quer os dias de Janet Malcolm, Gay Talese e outros contemporâneos estejam contados, entretanto, joga uma luz sobre a produção independente de conteúdo. Programas de maior consistência, como o Love + Radio e The Memory Palace fazem parte de uma das maiores redes de podcasts do mundo, a Radiotopia. Nate DiMeo, jornalista que comenda o The Memory Palace, foi escolhido artista residente do The Metropolitan Museum of Art, quebrando paradigmas entre jornalismo, arte e podcast.
Para DiMeo, o importante é fazer com que a história comova e faça com que o público se identifique com aquilo que é contado. Características comuns a qualquer contação. “O trabalho, para mim, é entender o significado profundo dela, e garantir que ela seja escrita de um jeito que o que me comoveu ao descobri-la seja transmitido. É um ato de transmutação. Como posso pegar essa coisa que me abalou de alguma maneira em um contexto, e achar as palavras para criar um novo contexto, num período bem curto de tempo, de forma que eu consiga compartilhar a experiência que senti? É aí que mora a mágica da coisa, quando o podcast está pronto e as pessoas ouvem e gostam, mas é também onde o trabalho duro se dá”, refletiu em entrevista ao Nexo.
Em tempos de discurso do ódio e pensamentos extremos, é fundamental que existam histórias que inspirem boas ações.