O Brasil vive a sina – perpétua – de ser o país do futuro. Uma nação que não se sustenta em seu próprio presente e que não consegue entender o passado. Aquela república oswaldiana cheia de árvores e gente dizendo adeus se repete ad infinitum. Porém, com menos árvores. A recente ameaça de taxação de livros pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, faz parte do projeto de ruptura do atual governo federal, um projeto cujo cerne se debruça no desmonte da cultura e da educação, os dois únicos pilares capazes de salvar um povo do colapso e da barbárie.
Elevar o preço do livro não é nada diferente de queimá-lo. A natureza do fogo é que muda. A ideia de uma nação autônoma, que tem capacidade de interpretar e devolver a cultura que consome é o terror de qualquer tentativa de autoritarismo. É no desejo de dominação que reside a força de um governo ética e intelectualmente falho, um desejo abrigado tanto no dominador quanto no sujeito subjugado. Essa é a materialização da servidão voluntária, da construção de um exército invisível, mas que está disposto a criar uma muralha entre a ignorância e razão.
Todas as vezes em que a cultura e a educação são postas em xeque pela repressão e estagnação, a crise como estrutura de hegemonia social e econômica ganha força, sobe um degrau rumo ao olimpo dos desvalidos. Se os governos anteriores deram acesso – mas não ofereceram recursos que permitissem a deglutição de toda a produção cultural que lhes chegava à mesa –, a gestão presente quer matar de fome. Quer, a todo custo, a inanição.
A cegueira – e Borges que me desculpe – parece tomar conta de um Brasil que cai de joelho diante da sua própria sombra. E isso faz muito sentido para um país em que escritores não vivem da sua produção literária e agora, diante de uma pandemia que ajuda destruir a pouca mobilização que resta, não conseguem nem mesmo participar de eventos, feiras, etc.
É fundamental pensar a cultura como um elemento imprescindível no cotidiano e como ferramenta capaz de construir caráteres.
O Brasil não está interessado em sair da pandemia e tampouco se desfazer das muitas crises que formam o país – como um catálogo canhestro –, ao contrário, quer nadar em um mar de lama como se fosse uma piscina dionisíaca. Num momento em que uma varejista norte-americana toma conta do mercado livreiro brasileiro, em que as grandes redes nacionais dão os últimos respiros, taxar livros é a estratégia mais tacanha de elevar o obscurantismo ao patamar de consciência coletiva.
A solução é só uma: fazer um levante com grandes editoras e publishers independentes, unidos, cientes de seus papéis de formadores, não apenas de leitores, mas de um povo. É fundamental pensar a cultura como um elemento imprescindível no cotidiano e como ferramenta capaz de construir caráteres.
E nada pode acontecer senão estabelecendo um programa de valorização do escritor – e também dos demais artistas – como figura-chave dentro da sociedade – como ocorre com tantas outras categorias. Enquanto isso não passar de uma utopia, não haverá como vencer a escuridão que avança dia após dia, prometendo – falsamente – um futuro iluminado, mas que sabemos não ser mais que uma fraca luz cinza.