Borges, já cego, disse – em uma de suas conferências – que Poe não apenas inventou só a literatura policial, mas também o leitor de literatura policial. Em alguma medida, o argentino previa a ideia do padrão, de um fazer literário que exige um certo caminho a ser seguido por quem lê e por aquele que escreve. Uma mulher transparente, de Edgard Telles Ribeiro, parece entender como poucos a necessidade de fiar no lance de dados do mistério. E isso acontece para o bem e para o mal.
Telles criar, a partir de um assassinato anônimo nas ruas do Rio de Janeiro no começo dos anos 1960, uma narrativa histórica, um passeio pelos anos de chumbo brasileiro – que parecem bater à nossa porta novamente. O narrador – um autor de verbetes de enciclopédia e, posteriormente, romancista – se debruça sobre o crime e fantasmas que nem conhece passam a rondar a sua vida. Somente duas décadas mais tarde, se dá conta de que ali se esconde uma armadilha invisível, um truque do destino capaz de enlouquecer os envolvidos.
Para dar voz à sua paranoia, que cresce à medida em que os anos passam, não consegue se livrar da lembrança de, minutos antes daquela morte numa tarde quente, ter visto seu chefe com uma arma na cintura. Misturado a esse turbilhão, paira ainda o inexplicável afogamento da esposa do patrão.
Uma mulher transparente é um livro que empilha hipóteses, sem oferecer uma resposta em troca.
E é nessa ânsia de encontrar respostas que acaba por conhecer Gilda, a femme fatale e esposa de Guilherme, amigo do narrador nos seus tempos de enciclopédia e testemunha oculta do assassinato. Como uma Rita Hayworth de Copacabana, Gilda vive em um mundo flutuante, um lugar entre a fantasia e a realidade. Como dita a regra da literatura policial, é ela quem leva o narrador – pelas mãos – ao inferno.
Clichês
Nesse noir carioca, Telles escorrega nos clichês que formam sua narrativa e nas pontas que arma para deixar soltas mais tarde. São elementos que não apenas subvertem a expectativa, mas descontroem a história e levam o leitor para um campo minado. A impressão que fica é, não raras vezes, de incompletude, como se houvesse algo para ser dito, entretanto, optou-se por um silêncio forçoso e desmedido.
Uma mulher transparente é um livro que empilha hipóteses, sem oferecer uma resposta em troca. Apesar de seu texto ágil, e uma trama que poderia, facilmente, prender o leitor, Telles deixa passar a oportunidade de escrever um diálogo importante entre os nossos tempos e o regime militar, e acaba por fazer da obra um retrato opaco sobre um momento ainda confuso e obscuro. No final o que se vê é que o livro esbarra em uma trama frágil e personagens sem cor.
UMA MULHER TRANSPARENTE | Edgard Telles Ribeiro
Editora: Todavia;
Tamanho: 128 págs.;
Lançamento: Abril, 2018.