Retornada para as mãos do governo chinês em 1999, poucos sabem que, antes, Portugal detinha um território na China. Macau foi um porto português no País do Centro de grande riqueza cultural. Yao JingMing faz um importante trabalho de preservação desse diálogo entre culturas com o seu trabalho de professor universitário e tradutor. Além disso, sob o nome de Yao Feng, ele contribui com sua poesia. Neste texto, vamos pensar sobre o papel que ele tem nos diálogos culturais de nossa língua e as portas que abre para o “mundo” chinês.
Yao JingMing teve sua primeira educação em Pequim, na China comunista, mas estudou português posteriormente e hoje habita Macau, onde também leciona na Universidade de Macau. JingMing é professor no departamento de português. Atuando no ensino de tradução, ele usa de sua experiência como tradutor de vários clássicos da literatura portuguesa para o mandarim. Como poeta e intelectual, usa um pseudônimo: Yao Feng. Feng é um premiado poeta na China e sua produção aparece em mandarim e em português – já é traduzido também para o inglês. O poeta escolhe desafiar as expectativas produzindo uma obra não somente em sua língua materna, mas também na língua que escolheu estudar por toda a sua vida.
Desde os anos 80, Yao JingMing traduz grandes autores de Portugal como Mário Sá-Carneiro, Miguel Torga e Eugénio de Andrade. Paralelamente, Yao Feng publica seus poemas desde 1989, quando publicou seu primeiro livro, Nas asas do vento cego. As duas carreiras, a acadêmica e a artística, caminham juntas e constroem em seu percurso uma ponte que liga Portugal a Macau e Macau à China.
O poeta escolhe desafiar as expectativas produzindo uma obra não somente em sua língua materna, mas também na língua que escolheu estudar por toda a sua vida.
Os poemas trazem muito da poesia clássica chinesa mesmo quando são escritos em português, o que configura uma tradução cultural no ato do fazer poético. Um pouco do que fazem autores brasileiros, como Alice Ruiz e Paulo Leminski, que utilizam a forma de haicais, da tradição japonesa, para suas produções em nossa língua. Percebemos que a tradução não é apenas aquela que parte dum texto original em português para a sua versão em mandarim, mas também é parte integral da poética de Yao Feng nas duas línguas que utiliza. Não lemos em mandarim, mas certamente há também ecos do português no mandarim. Assim, Yao Feng é um escritor provocativo em diversas instâncias.
Comentando sobre a obra poética de Yao Feng, surgem questões quanto ao que significa para a nossa língua a importação dos modelos chineses. O já comentado exemplo de importação dos modelos japoneses dão uma ideia, mas são ainda outra coisa. Percebemos que a poesia chinesa clássica traz para o português novos desafios de composição. Ao mesmo tempo, há de se comentar sobre a contribuição aos debates do campo de tradução que essa “tradução” faz. Afinal, traduzir não é também uma operação da forma? É só algo relativo à língua que se usa? Não pensamos serem essas questões inéditas, mas como leitores é um prazer participar dessa conversa.
Independente dos debates da literatura e tradução, a poesia de Yao Feng é tocante. Seus efeitos são novos e surpreendem o leitor. A oportunidade que nos é dada de conhecer mais da cultura chinesa em nossa própria língua é um tesouro. Macau está localizada do outro lado do mundo, mas fez parte do mundo português por muito tempo, então já era tempo de colhermos dessa mina de ouro cultural. Para além dos ganhos econômicos, Macau é fonte de novas inspirações para a língua portuguesa. Por mais diálogos interculturais como os proporcionados por Yao Feng.
Abaixo, trazemos um de seus poemas em português, um de dois poemas publicados na revista de poesia e crítica literária Sibila:
“Silêncio”
“Ao cabo
pusemos o silêncio no centro,
como se põe a mesa,
para a qual nada foi servido.
O banquete tinha já acabado
E, nunca mais, a mesa,
deixaremos florir a língua.
Silêncio. Apenas o canto eventual
o desperta.
O que murmuram os pássaros
nos ramos do sonho?
Não sonhamos de novo,
nesta noite menos nossa.
Ainda o silêncio. O vento sopra
a abundância do teu cabelo
o grito, o uivo”