Eu nasci e cresci no Rio Grande do Sul, então por natureza você precisa amar e defender o Engenheiros do Hawaii, assim como a maioria das bandas do “rock gaúcho”. Engenheiros, Nenhum de Nós, Bidê ou Balde, Wander Wildner, fizeram parte da minha formação musical, é daquelas coisas que meus irmãos ouviam, que a minha mãe tinha CDs pela casa, que as pessoas cantavam em rodas de violão. Mas mais que isso, eram artistas que vira e mexe faziam shows pelas nossas cidades, pois eles iam para todas as bibocas do estado.
Foi só depois da faculdade e, especialmente, com a mudança para São Paulo, que eu percebi o ódio mortal que milhões de pessoas nutrem pelos Engenheiros. Eles têm o mesmo potencial de ódio que Raul Seixas e Legião Urbana causam em muitas rodas de violão. O mais curioso é que mesmo tendo estudado e pesquisado a revista Bizz durante mais de um ano, nunca me dei conta das críticas e de todas as polêmicas da banda que já estavam lá naquelas páginas, pois, de alguma forma, eu já achava suficientemente legal que eles tinham todo aquele espaço em uma revista do sudeste.
Enfim, o ódio segue, mas o fato é que a poética de Humberto Gessinger faz bastante sentido para muita gente e a banda não deixa de ser influente até hoje. E 2017 é tempo de celebração dos 30 anos de A Revolta dos Dândis: Humberto Gessinger está em uma turnê chamada “Desde aquele dia”, onde toca o álbum clássico na íntegra.
A turnê iniciada nesse mês de março já figurou no Encontro com Fátima Bernardes, da Globo, e teve exibição ao vivo do Canal Bis. Talvez esse holofote lançado novamente sobre Humberto apenas aumente o ranço que muita gente sente em relação a banda, mas em contrapartida pode trazer novo olhar e novas relações com o segundo disco de estúdio do Engenheiros.
Elitistas ou intelectualóides, o fato é que os Engenheiros se comunicaram de forma certeira com o público médio e tocaram nas rádios de todo o país.
A Revolta dos Dândis já mostra sua tratativa de erudição logo no título, retirado do livro O Homem Revoltado, de Albert Camus. Dândi, no século XVIII, seria aquele sujeito de muito bom gosto e inteligência, porém, que não pertencia à nobreza.
Nessa auto-proclamação da banda como “os dândis do sul”, a crítica jogou pedras no que chamou de elitização de suas composições e citações. Há realmente no disco e na obra posterior da banda uma busca constante por o que se chamaria de “alta cultura”, buscando essa intersecção entre o pop rock e todas essas referências.
É um cenário muito próximo do que Caetano Veloso sempre expressa em suas canções e que também é visto por muitos como um pedantismo e uma arrogância de intelectualóide. De qualquer forma, já em seu disco de estreia, Longe demais das capitais, os Engenheiros já demonstravam essa verve literária, comunicando-se com a obra de Umberto Eco e John Donne, portanto é natural que aqui eles flertem com Camus, por exemplo.
Elitistas ou intelectualóides, o fato é que os Engenheiros se comunicaram de forma certeira com o público médio e tocaram nas rádios de todo o país. Grandes hits como “Infinita Highway”, “Terra de Gigantes” e “Refrão de Bolero” aparecem aqui e se tornaram clássicos da banda e da década de 1980.
Com um pano de fundo que deixava latente as tensões da Guerra Fria e de uma democracia recém-nascida no Brasil, é curioso como aquele deslocamento e toda a tensão do disco segue extremamente atual, pois seguimos sendo “estrangeiros, passageiros de algum trem”, portanto, é natural que as composições do jovem Humberto (na época com 22 anos) ainda reverberem nos fones de ouvido dos adolescentes.
Essa não-participação, esse distanciamento é verdadeiramente comunicável com a nossa juventude, seja na década de 80, seja na atualidade. E, para aqueles que moram distantes do eixo Rio-São Paulo, é sempre reconfortante ouvir a banda que mora longe demais das capitais.
Para terem noção da atemporalidade do disco, é só saber que “Terra de Gigantes” é um sucesso na trilha da novela infantil Cúmplices de um resgate, do SBT, onde é cantada pelo ator e cantor João Guilherme, pequeno astro teen que é filho do cantor sertanejo Leonardo.
Quem diria que o disco chamado de pretensioso e, até mesmo, fascista, ainda ressoaria em novelas infantis no ano de 2017? Para alguns, isso é apenas sinônimo de que já vivemos no futuro distópico que os sci-fis dos anos 80 previam, mas acredito que isso é apenas a representação de que precisamos abandonar o preconceito e olhar novamente para os Engenheiros do Hawaii com bom coração.
Humberto Gessinger e companhia têm seus tropeços e há momentos em que não ousaria defendê-los – por exemplo, em seu novo EP, Humberto faz parceria com Tiago Iorc -, mas o fato é: as bobagens de uma carreira tão longa como a do Humberto não podem macular o que de fato é um disco de qualidade.
A Revolta dos Dândis é fundamental para muita gente e tem uma importância inegável para o rock nacional. Para o rock gaúcho, então, é uma bíblia tão básica quanto Os Replicantes. Aproveitem a celebração de aniversário do disco para uma revisão, pois em seu universo oitentista há um olhar interessante e sagaz sobre cultura pop, sociedade moderna e um existencialismo que ainda diz muito sobre o nosso tempo. Ouçam sem pré-julgamentos.
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