Geralmente, dizer que explicar algo incidiria em rudizi-lo soa como um truque, a falta de condições de concatenar ideias de forma minimamente lógica para descrever um fenômeno a outra pessoa. Admito, um tanto envergonhado, que precisarei fazer uso de tal recurso, tentando explicar ao leitor que, de fato, qualquer tentativa de explicar em uma única frase o que os goianos dos Agoristas fizeram em Oculto, álbum lançado em 2016, fruto da união de músicos em encontros espontâneos no estúdio Laba.Rec, na cidade de Aparecida de Goiânia, é reduzir uma obra complexa, única e plural.
[box type=”note” align=”alignright” class=”” width=”350px”]
Leia também
» Cosmo Drah cria canções que eles queriam ouvir – e nós também
» Luneta Mágica mistura referências na busca de um norte
[/box]
Os Agoristas propõem, talvez de forma indireta, uma antropofagia moderna, diferente do que alguns músicos e grupos têm feito no restante do país. A partir de referências indígenas, o grupo de quatorze músicos e não músicos caminha por ritmos brasileiros fazendo uma psicodelia de raízes muito nossas, anteriores a qualquer proposta de musicalidade nacional.
Cercado por um misticismo que vai além de uma estética vazia – infelizmente, recorrente na música tupiniquim -, os músicos brincam com o conceito de liberdade e amor, tornando Oculto um ritual que só fica completo no mergulho do ouvinte neste transe sonoro, imagético e semiótico.
Cercado por um misticismo que vai além de uma estética vazia, os músicos brincam com o conceito de liberdade e amor, tornando Oculto um ritual que só fica completo no mergulho do ouvinte neste transe sonoro, imagético e semiótico.
A linha entre o experimentalismo, a música hermética e a “pira musical” costuma ser muito tênue, o que, não raras vezes, causa desinteresse, tamanha a prepotência dos artistas – como se nos dissessem haver apenas alguns poucos escolhidos capazes de significar aqueles riffs e acordes. O que torna, então, o trabalho feito pelos Agoristas digerível?
Em primeiro lugar, o cuidado de estabelecer uma narrativa lógica e consistente; em segundo lugar, revisitar de onde viemos entre a homenagem e o tributo, sem a pretensão de estar em um pedestal de moralidade perante o ouvinte; e em terceiro lugar, não tentar reproduzir qualquer experiência de nossa história musical “sob outro viés”.
A proposta deste grupo de artistas (uma forma de se referir a eles de maneira abrangente e justa) também resgata a genialidade de Oswald de Andrade e dos modernistas. Se apenas a antropofagia seria capaz de nos unir socialmente, economicamente e filosoficamente, Danilo Xidan, Angelita, Wolder Leão, Fred Valle, Carlos Foca, Edilson Morais, Renato Cunha, Edu Manzano, Rafael Lenza, Marcus Augustus I, Ana Flávia Keertana, Renata Nantes, Alex Mac’Arthur e Pedro Laba mostram que a lei do antropófago (“só me interessa o que não é meu”) segue viva.
Arrisco dizer que Oculto seja um manifesto, daqueles escondidos nas entrelinhas do inconsciente musical. Se como Oswald propunha, teremos (ou queremos) a Revolução Caraíba (a união dos indígenas através do vocábulo caraíba), resta ouvi-los e exercitar, ao menos com os tímpanos, a utopia desta eterna Pindorama.
NO RADAR | Agoristas
Onde: Goiânia, Goiás.
Quando: 2016.
Contatos: Facebook | YouTube