No próximo dia primeiro de julho, Alceu Valença completa 71 anos de idade. O cantor e compositor pernambucano é um dos maiores representantes da música nordestina e também foi capaz de atingir as massas e obter grande sucesso comercial. Ao longo dos seus mais de 40 anos de carreira, Alceu fez música fundindo ritmos característicos de sua região com elementos que remetem ao rock e até mesmo à psicodelia.
Apesar de um começo não muito promissor na segunda metade da década de 1970, quando lançou três álbuns pela Som Livre com retornos não mais do que razoáveis de venda, Alceu, à época já radicado no Rio de Janeiro, continuava fiel à sua ideia cosmopolita de “frevo+rock+baião”. Ao lado de outros cantores nordestinos da época, como Zé Ramalho, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho, Alceu foi mestre em juntar guitarra elétrica e gêneros típicos da raiz nordestina.
Aliás, o último destes trabalhos pela Som Livre – Espelho Cristalino, de 1977 – apresenta uma temática bastante experimental e talvez seja um dos exemplos mais acabados da criatividade do músico. A abertura do álbum é impactante e de tirar o fôlego. A faixa “Agalopado” define o que é Alceu musicalmente com sua mistura de ritmos e escancara o poder criativo de suas letras.
É o grito de alguém inconformado, irrequieto e destemido: “Quando eu canto o seu coração se abala/ Pois eu sou porta-voz da incoerência/ Desprezando seu gesto de clemência/ Sei que meu pensamento lhe atrapalha”. É provocativo, é rock, é frevo, é maracatu. É Alceu. “Meu riso e meu choro não tem planos”, brada o cantor incendiando esses “tempos glaciais”.
O álbum de pouco mais de 29 minutos conta, ainda, com outras fantásticas canções, como a faixa-título, “Espelho Cristalino”, um baião com toques de lamento de primeira qualidade, e “A Dança das Borboletas”, que flerta novamente com a psicodelia. Aliás, seriam estas borboletas as mesmas “moscas na sopa” das quais Raul Seixas também falava em alusão àqueles que causam incômodo? “As borboletas estão girando/ Estão virando a sua cabeça”, canta o compositor pernambucano. “Anjo de Fogo”,com uma letra igualmente provocativa, é quase um frevo, mas com uma incrível linha de baixo que abre a música e a acompanha até o fim, casando muito bem com a intensa percussão.
Ao longo dos seus mais de 40 anos de carreira, Alceu fez música fundindo ritmos característicos de sua região com elementos que remetem ao rock e até mesmo à psicodelia.
No entanto, os trabalhos mais conhecidos de Alceu Valença e que o colocaram definitivamente no mapa da música brasileira são provavelmente Coração Bobo (1980) e Cavalo de Pau (1982).
Este último, inclusive, chegou à marca de 1 milhão de cópias vendidas e apresenta alguns dos maiores clássicos da carreira do cantor, como “Morena Tropicana”, faixa que flerta com a música latina, sem deixar de lado a raiz nordestina – e com direito a um solo fenomenal de guitarra no meio.
“Como Dois Animais” reforça o tom experimental do artista; “Maracatu” e “Pelas Ruas Que Andei” parecem ter vindo diretamente das ruas do Recife em dia de carnaval. Na faixa-título, Alceu grita ao Brasil seu desespero “depois que veio parar na capital” e mantém uma temática alternativa também na construção melódica.
Já seu predecessor, Coração Bobo, fez sucesso com a canção homônima de abertura. O primeiro grande hit de Alceu é um legítimo “coco” – ritmo puramente nordestino que fez sucesso na voz de Jackson do Pandeiro e também está bastante relacionado às danças das Festas de São João. Em “Cintura Fina”, Alceu revive um clássico de Luiz Gonzaga, e em “Vem Morena”, apresenta seu próprio forró dançante.
O cantor ainda seguiu fazendo sucesso na década de 1980 e nas posteriores com lançamentos como Anjo Avesso (1983), Mágico (1984) e 7 Desejos (1991). Clássicos do quilate de “A Anunciação”, “Solidão” e “La Belle De Jour” estão nestes trabalhos do cantor que, vale lembrar, debutou no cenário musical brasileiro na última edição do Festival Internacional da Canção, em 1972. Na oportunidade, Alceu inscreveu e apresentou o ousado forró “Papagaio do Futuro”, em conjunto com seus parceiros Geraldo Azevedo e Jackson do Pandeiro.
O poeta das ruas do Recife continua na ativa. Além da música, o cantor, formado em direito pela Universidade Federal de Pernambuco, já se enveredou pelo campo literário, lançando um livro de poesia em 2015 – O poeta da Madrugada, recheado de cultura popular- e, além disso, recentemente, atacou como cineasta, dirigindo e produzindo o longa A Luneta do Tempo, em 2014.
Alceu é mais um daqueles metamórficos artistas que trafegam por diversas áreas e gêneros musicais. A começar pelo visual – sombrio, com óculos escuro e cabelos longos que, diga-se, o faz mais parecer um ex-membro do Black Sabbath do que um nordestino cantando frevo e baião – Alceu Valença não se prende a rótulos e sua sólida carreira faz jus ao seu talento que, ainda bem, continua podendo ser apreciado em shows Brasil afora.
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