Estive lá. Na noite de sábado, 3 de maio, vi Lady Gaga renascer nas areias de Copacabana. Quase quinze anos depois da sua estreia no Brasil – e oito desde o traumático cancelamento que rendeu o icônico “Brazil, I’m devastated” -, ela voltou. Mas não voltou sozinha. Não era só um show. Era um encontro, uma performance coletiva durante a qual palco e plateia se confundiam.
Gaga trouxe “The Art of Personal Chaos”, um espetáculo teatral dividido em cinco atos. Respondeu com caos calculado. Nós, brasileiros, respondemos com nossa própria dramaturgia. Os números assombram – 2,1 milhões de pessoas. Mas lá dentro, a sensação era de uma intimidade elétrica, como se cada um soubesse o papel que precisava desempenhar.
A abertura, com “Bloody Mary” e “Abracadabra”, me arrepiou: um palco colossal em tons escuros, andaimes, passarelas, glitch art e ícones religiosos distorcidos se revelaram. No fundo, um telão em forma de olho parecia nos observar. Gaga surgiu com um vestido verde, azul e dourado, evocando as cores da bandeira do Brasil, mas em uma pegada cyberpunk saída de um sonho barroco. Era o primeiro ato, “Chaos Awakens”. Trauma transformado em arte.
E assim, ato após ato – duelando com um holograma de si mesma em “Poker Face”, caminhando como uma santa herege em “Scheiße” -, ela nos puxava para dentro do caos. Mas algo ali era mais forte que a própria Gaga: a plateia. Nunca vi protagonismo assim. Os fãs LGBTQIAPN+ faziam do espaço deles, nosso, um palco paralelo. Leques gigantes se abriam em ondas sonoras, gritos como “ELA ENTREGA!” se fundiam à música. Parecia ensaiado, mas era puro instinto coletivo.
Mas algo ali era mais forte que a própria Gaga: a plateia. Nunca vi protagonismo assim.
As homenagens ao Brasil me arrancaram sorrisos e lágrimas. Em “Paparazzi”, ela, em prantos, disse que brilhava por nossa causa. E quando, no quarto ato, ela se sentou ao piano para “Shallow” e confessou que agora nós éramos família… foi aí que entendi que não éramos plateia – éramos cúmplices.
O ápice veio quando ela desceu do palco em “Vanish Into You”, pegou nossas bandeiras, tocou nossas mãos. Ela disse que tinha escutado nossos acampamentos, nossas vozes cantando. Ali, Gaga cantou para nós, com a mesma devoção com que a esperávamos.
O encerramento com “Bad Romance” foi apoteótico, mas o verdadeiro final foi silencioso: Gaga sentada na beira do palco, ouvindo a gente cantar de volta. Copacabana virou um altar improvisado. Gaga não era mais a sumo-sacerdotisa; era parte do rito.
Saí de lá sabendo que Lady Gaga fez história naquela noite. Mas saí também com a certeza de que foi o Brasil quem regeu a orquestra. Nós não assistimos. Nós contamos essa história junto com ela. Você consegue imaginar outro lugar onde um show vira um ritual assim?
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