Existem momentos na vida que tudo que você mais queria ter em mão era um Ctrl + Z. Algumas vezes, para os mais radicais, um botão de reset para recomeçar do zero em determinado ponto.
Algumas pessoas já são adeptas de outra filosofia: a que cada fim é um novo começo, onde você pode tentar diferente. Parece que esse é o caminho que o rapper de Detroit, Black Milk, segue em seu trabalho.
Não que Curtis Cross, nome de batismo do artista, pareça ser aquele tipo de cara que guarda mágoas ou arrependimentos de seus trabalhos. Ele nem tem porque fazer isso. Mas, de certa forma, seu inconformismo e vontade de se reinventar são maiores a cada álbum.
Conheci Black Milk em uma onda diferente do hip-hop que eu costumava ouvir. Com mais Apollo Brown no fone, logo Black Milk apareceria como uma curiosidade com aquelas faixas mais ouvidas.
Estranhei que logo de cara eu me deparava com faixas que um jazz mais eletrônico, estilo BadBadNotGood, com algumas rimas bem precisas em determinados espaços da música. Quando passei para If There’s a Hell Below, o método experimental dava uma nova atmosfera. Foi quando eu decidi que para entender melhor do que se tratava o trabalho de Curtis, eu precisaria primeiro passar por cada um de seus discos e depois pesquisar qual era sua intenção.
A definição do Pitchfork foi a que eu mais concordei: Black Milk é em si um paradoxo que vive apertando o reset em cada trabalho, mas com uma intenção bem clara de refutar seu próprio trabalho.
Entre os trabalhos que mais me cativaram, Album of the Year, de 2010, se tornou o meu favorito e talvez, atrevo-me a dizer, o pontapé inicial que eu indico para quem deseja conhecer.
Album of the Year é cru e sincero, com a nítida influência de A Tribe Called Quest. Aqui, Curtis aplica rimas inteligentes e rápidas à la Mos Def com uma das minhas maiores paixões no estilo, que é o background de uma banda.
Black Milk consegue passar a atmosfera de um frontman com todo aquele crew formado atrás. E longe das pegadas experimentais das outras obras, com um uns toques do bebop já aparecendo.
Embora a rítmica de cada faixa se mantenha constante, sem muitos caminhos para improvisação, Black Milk consegue passar a atmosfera de um frontman com todo aquele crew formado atrás. E longe das pegadas experimentais das outras obras, com um uns toques do bebop já aparecendo, se torna um disco bastante direto e reto para os iniciantes. Os demais, a partir de ele, viram ótimas viagens com um novo, mas totalmente novo artista.
Importante destacar que Black Milk tem um diferencial nessa sua fórmula de reinvenção. É difícil encarar uma legião de fãs cada hora com uma sonoridade, sem pagar um preço por isso.
Lembro-me de casos de amigos que deixaram de ouvir um disco, pois se desapegava das origens. Ouvi e vi isso em relação a Blink-182 e The Offspring, da mesma forma que enfrentei comparações entre as era Ozzy e Dio no Sabbath, ou as trocas seguidas de vocais no Van Halen. Mas com maestria, Black Milk faz dessas mudanças a sua única constante e os fãs já sabem disso, esperando sempre um recomeço.
A ponte de Album of the Year para If There’s a Hell Below é assustadora, porém divertida. Nela é possível perceber em poucos segundos que todas as fórmulas de sucesso do disco anterior foram largadas de lado. Black Milk não aprende com os erros e mantém seus acertos: ele abre mão de tudo para recomeçar. E talvez ele tenha razão quando aponta que a vida é curta demais para se manter na mesma.
Os destaques do álbum ficam por conta de “Black and Brown”, que é a síntese do hip-hop antigo, bem groovado e sinistro, que contrasta com o agito e alma de “Keep Going” depois da linda introdução “Welcome (Gotta Go)”, que já fisga o ouvinte logo de cara. E entre a comparação de cada faixa, Curtis nos surpreende se reinventando dentro de sua proposta.
Das ruas de Detroit para o mundo, Black Milk é um artista para inconformados e fãs de novidade. Para os mais conservadores e que cobram uma identidade mais precisa, sinto informar, mas talvez não seja o ligar certo para você andar.