No dia 13 de agosto de 2015, os gaúchos da Apanhador Só deram largada a um projeto que resultaria no álbum sucessor do aclamado Antes Que Tu Conte Outra (2013). A banda caiu na estrada durante dez meses, fazendo uma série de shows em 21 cidades, financiada via Catarse.
A turnê “Na Sala de Estar” carrega um nome auto-explicativo: cada apresentação aconteceu na casa de fãs do grupo, Brasil afora. O financiamento coletivo, a princípio, foi usado para a compra de um veículo, reboque e outros equipamentos necessários para fazer essa série de shows.
Terminada a temporada de apresentações, o veículo foi vendido e esse dinheiro — junto com os quase 30 mil reais que excederam a meta prevista pela banda — foi usado para bancar a pré-produção, gravação, mixagem, masterização, projeto gráfico e fabricação do novo álbum deles.
Assim, depois de quatro anos sem material inédito, nasceu Meio Que Tudo É Um. O nome não poderia ser mais adequado, visto que esse trabalho se sustenta numa diversidade de colagens e texturas sonoras. Sons captados durante a turnê, ambiências, samples e elementos eletrônicos se misturam aos arranjos — majoritariamente acústicos —, construindo cenários musicais cheios de detalhes a serem descobertos.
Seja a “batida de porta de carro numa garagem em Capão da Canoa”, a “chuva na praia de Tramandaí” ou os “ventiladores da escola de yoga que recebeu o show da turnê “na sala de estar” em João Pessoa”, tudo vira música.
Meio Que Tudo É Um é um álbum inegavelmente urbano, justamente por ter consciência de que a cidade é um casamento entre o concreto e as pessoas que nela habitam. Ao contrário do seu antecessor, que traduz uma inconformidade agressiva em arranjos elétricos e letras ácidas, aqui a Apanhador Só assume uma postura um tanto mais introspectiva.
Ao contrário do seu antecessor, que traduz uma inconformidade agressiva em arranjos elétricos e letras ácidas, aqui a Apanhador Só assume uma postura um tanto mais introspectiva.
Quando a banda não está refletindo diretamente sobre a cidade como um organismo caótico — vide “Rj Banco Imobiliário” e “Viralatice dos Prédios” —, ela se debruça sobre as questões humanas que também se relacionam a esse ambiente. Há espaço para falar dos embates sociais (“O Creme e o Crime”), assim como dos amores (“Bastas”) e a fragilidade do corpo. Tudo se contempla, tudo se vive.
Musicalmente, o álbum consegue misturar arranjos tortos herdados de Tom Zé e outros malditos da MPB, com um instinto pop que garante uma certa acessibilidade ao disco. Basta colocar “Teia”, faixa que carrega o DNA do Acústico Sucateiro (2011), lado a lado com a abstrata “Conforto”.
É necessário também destacar outros dois pontos altos do álbum: “Paso Hacia Atrás” e “Linda, Louca e Livre”. A primeira, uma faixa recheada de belas harmonias vocais de Lola Membrillo e Anicca (integrantes da Perotá Chingó), Alexandre Kumpinski e Fernão; a segunda, uma forte candidata à canção de amor mais sincera do ano:
“Eu te quero linda, louca e livre / lado a lado enquanto ainda nos faça algum sentido estar / lado a lado, frente a frente / dois elos de uma corrente / que o acaso aos poucos vai fazendo e desfazendo encadear.
E mesmo que haja medo / de te perder por aí de vista / tanto quanto me é possível / eu não quero que esse elo lindo se transforme em algema.”
Meio Que Tudo É Um parece ser resultado direto das experiências vividas pela banda durante aqueles 10 meses de turnê “Na Sala de Estar”. Não é exagero dizer que a riqueza e a variedade humana e urbana do Brasil está contemplada de alguma forma nas 15 faixas do álbum.
Do projeto gráfico de encher os olhos — e que dialoga diretamente com o conceito de colagem do disco — à produção musical cheia de detalhes, tudo contribui para que esse trabalho seja revisitado várias vezes.