Quando As Bahias e a Cozinha Mineira surgiu, grande parte das notícias falava sobre o fato das vocalistas da banda serem mulheres trans. Nesse universo do feminino, o disco de estreia deles se chamava Mulher (leia aqui nossa crítica do álbum). Agora, a banda quis cutucar mais e deu ao segundo disco o título de Bixa, assim mesmo, com X, se apropriando de uma palavra sempre utilizada como um xingamento.
As Bahias eram Gal Costa, a Cozinha Mineira era Milton Nascimento em seu Clube da Esquina, já Bixa é o Bicho (1977) de Caetano Veloso, o disco mais pop e envolvente do baiano. Porém, diferente de Mulher, aqui As Bahias conseguem reverenciar o artista, mas de forma extremamente original e com uma assinatura que marca uma evolução e um crescimento do grupo paulista.
Com produção de Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, [highlight color=”yellow”]Bixa é bem mais pop[/highlight], mais eletrônico, com faixas que passeiam desde o romance quase brega até os momentos de close mais dançante. Se Mulher tinha mais de uma hora, Bixa tem pouco mais de 30 minutos e funciona de forma muito mais eficaz, envolvente logo de cara, do tipo pop chiclete, para se cantar junto, sofrer & dançar.
Bixa é bem mais pop, mais eletrônico, com faixas que passeiam desde o romance quase brega até os momentos de close mais dançante.
Mesmo de caráter pop, a MPB é que dita as regras do disco. “Mix”, por exemplo, tem versos intrincados sobre drogas, viagens e alucinações na maior aplicação do verbo “djavanear”. “Urubu Coruja, Coruja Urubu” também flerta com o universo de Djavan, mas lembra em maior parte a faixa “Two Naira Fifty Kobo”, de Caetano Veloso.
“Dama da Night” é uma das melhores faixas e poderia bem fazer parte do repertório da Gal Costa anos 80, naquela fase Bem Bom. É curioso nessa faixa o verso “Tigresa Braga”, que refere-se à clássica faixa “Tigresa”, composta por Caê para Sônia Braga e que ganhou uma interpretação definitiva na voz de Gal, unindo novamente as influências seminais do grupo.
“Drama” tem batidas fortes para contar uma história de amor e violência, que comunica-se de forma bastante direta com duas faixas populares, o funk “A Patricinha e o Maloca”, do MC Menor da VG e o pagode “Patricinha do Olho Azul”, do Bom Gosto, versando as três faixas sobre as relações de classe, cada uma com sua forma peculiar.
Sem deixar sua força cair, Bixa se encerra com sua faixa mais interessante, “Sua Tez”, romântica e pop, que versa de forma firme sobre a necessidade quase constante que determinadas pessoas têm de limitar os desejos e a sexualidade dos outros. “Proibiram o meu desejo pela sua tez”, diz um dos versos da música, que traz um refrão debochado, deixando claro que não limitarão o amor das Bahias e nem de ninguém.
Passeando pelo samba, o tecno brega, o reggae e o bolero, Bixa é um trabalho que [highlight color=”yellow”]diz muito sobre o nosso tempo[/highlight], sem cair nos clichês da “lacração” da neo-MPB, espécie de movimento ao qual o grupo sempre foi associado.
As Bahias conseguiram com seu segundo disco construir um trabalho à altura de sua força enquanto banda (quem já os viu ao vivo, sabe ao que me refiro) e pronto para ir bem além dos espaços de nicho. Espero que a bixisse se espalhe por aí!