A música brasileira talvez nunca tenha estado tão aberta e receptiva às cantoras e grupos liderados por mulheres como nos dias atuais. E, para nossa sorte, isso independe de gênero musical. Do funk ao sertanejo, da MPB ao rock, o que não faltam são grandes discos. Para completar, o fã brasileiro também tem adquirido o hábito de revisitar grandes compositoras e intérpretes de nossa música. Ou seja, ouvi-las, além de necessário, é incontornável.
Considero que a melhor parte deste momento é, principalmente, que elas também tenham assumido as composições. A grande questão é a possibilidade que elas cantem sobre si, assumam o lugar de fala e possam, sem interferência masculina, narrar seus cotidianos, suas visões de mundo. Ainda que sem uma intenção propositadamente feminista, a representatividade é um dos maiores legados que estas mulheres deixam. E é nesta esteira que Clarissa Bruns, “Prata da Casa” desta semana, apresenta seu Entre.
Lançado em maio deste ano, Entre apresenta nove composições, todas de Clarissa, que passeiam pelo samba, bossa nova e pop, encontrando no ecletismo da cantora e compositora uma representação moderna e concisa de uma música popular brasileira contemporânea, pouco presa a rótulos, capaz de trafegar por gêneros distintos com a mesma maestria.
Entre apresenta nove composições, todas de Clarissa, que passeiam pelo samba, bossa nova e pop, encontrando no ecletismo da cantora e compositora uma representação moderna e concisa de uma música popular brasileira contemporânea.
Formada em canto popular pelo Conservatório de Música Popular Brasileira de Curitiba, onde atualmente é professora, Clarissa Bruns somou influências populares com seus estudos ao longo da carreira. Até chegar em Entre, seu terceiro trabalho autoral, Bruns lançou o homônimo Clarissa Bruns, em 2008, e Riso Fácil, em 2014. Este último foi gravado ao vivo, no Canal da Música, e resultou, ainda, em um DVD.
Característica de seus registros, além do trabalho com diferentes produtores (Rafael Vernet no debut, Fábio Hess no segundo e Bernardo Bosisio no atual), é a participação de nomes consagrados na música nacional, como a cantora e compositora carioca Fátima Guedes (gravada por Maria Bethânia, Elis Regina e Ney Matogrosso), Jorge Vercilo, e o eterno Jair Rodrigues, além de músicos tarimbados como Carlos Malta, presença frequente nos trabalhos de Guinga, Lenine, Paralamas do Sucesso e Caetano Veloso.
Em Entre, Clarissa Bruns canta as mulheres contemporâneas, dissecando toda a complexidade de suas sensações e idiossincrasias. Clarissa fala de amor (“Outra ideia de amor”), sobre a pequenez humana frente ao universo (“Lua alta”), evoca o domínio sobre seu corpo (“Esse corpo que é meu”) e o amor à vida e à liberdade (“Toda tua riqueza” e “A tal liberdade”). Num dos momentos mais sublimes de Entre, Clarissa canta à Iemanjá, ao começo de tudo, à continuidade da vida, a esse poder feminino que precisa ser disseminado no mundo.
Ainda que “Beautiful difference” destoe um pouco (a faixa em inglês é poética, mas cantada em inglês perde a potência dos arranjos), o resultado final do disco é memorável. Entre é caloroso e acolhedor, forte e necessário, talvez menos pelo que diga e mais pelo que representa. Que o ouvinte aproveite esse convite a um mergulho na intimidade da cantora, uma das mais interessantes da cena musical curitibana.