Até o fim da última década, Otto era mais um artista promissor de sua geração. Seus três discos solo até ali (Samba Pra Burro, Condom Black e Sem Gravidade), somados aos dois que gravou como percussionista do seminal grupo Mundo Livre S/A, mostravam um compositor com grande potencial, mas que buscava lapidar uma identidade ainda não totalmente definida.

De lá pra cá, entretanto, Otto alcançou um patamar de ícone – graças, principalmente, ao excelente Certas Manhãs Acordei de Sonhos Intranquilos, lançado em 2009. O disco, “parido” após o término doloroso de um relacionamento com a atriz Alessandra Negrini, escancarou e enfiou o dedo no coração machucado de Otto, com uma crueza e abertura nunca vistos na carreira do artista. Foi a partir daí que o status desse pernambucano mudou. E é a partir daí que se estabelece o Otto capaz de produzir álbuns como esse Ottomatopeia.
Desde o primeiro single (e faixa de abertura), o quase-axé “Bala”, fica claro: a versão 2017 de Otto é certamente a mais madura até hoje. Produzido por Pupillo, membro da Nação Zumbi e colaborador de longa data de Otto, Ottomatopeia mostra um lado menos introspectivo do que Certas Manhãs…, menos caótico do que The Moon 1111 e mais expansivo, universal. Segue o rastro da discografia que o precede, mas refina as misturas e as torna mais fáceis de digerir do que nos registros anteriores. O experimentalismo ainda está aqui, claro, mas joga mais do que nunca a favor das canções.
O disco vem sendo descrito por muitos como um mergulho de Otto na estética do brega, mas isso é uma verdade apenas parcial. Não dá pra negar que ele sempre foi afeito às misturas, já que a fusão de ritmos regionais brasileiros com gêneros diversos, como o rock ou a música eletrônica, sempre foi uma de suas assinaturas. Mas essa característica tomou forma definida e consistência louvável a partir de Certas Manhãs… – e é, mais uma vez, o objetivo melhor alcançado no álbum. Se Ottomatopeia traz um aprofundamento maior no brega, isso não ocorre em detrimento dos outros gêneros: aqui tem brega, sim, mas tem MPB, rock setentista, arrocha, heavy metal, toques de candomblé, e muito mais.
Um pouco menos experimental e mais cuidadoso com melodias e com o formato de canção brasileira mais ‘estabelecido’, Ottomatopeia é, no geral, um trabalho bastante bom.
O primeiro indício mais evidente da influência brega no disco, aliás, ocorre lá pela quinta canção, a excelente “Caminho do Sol”: a melodia do segundo verso é brega puro. E as características desse gênero retornam em vários momentos. Às vezes sutilmente, como na harmonia de “Pode Falar, Cowboy!”, na interpretação carregada de uma emoção levemente caricata de Otto em “É Certo o Amor Imaginar?”. Outras vezes em situações mais óbvias, como na regravação de “Meu Dengo”, clássico brega dos anos 80 de Roberta Miranda (que conta com participação da cantora, além de Céu nos backing vocals). “Teorema”, com participação dos paraenses Felipe Cordeiro e seu pai, Manoel Cordeiro, é outro dos momentos assumidamente bregas de Ottomatopeia – a faixa bebe da música popular nortista e tem potencial pra fazer muita coxa bater por aí.
Ottomatopeia é carregado de percussão, outra marca importante da obra do artista. Basta uma ouvida nas três primeiras faixas para notar a relevância que a batucada tem – “Bala”, “Soprei” e “Atrás de Você” trazem, em suas introduções, seções exclusivas de instrumentos percussivos. Além dessas, se destaca o uso das congas precisas na “cama” instrumental de “Caminho do Sol” e os toques de terreiro evocados em “Orumilá”, faixa que fecha o álbum com pegada manguebeat, peso e participação interessante de Andreas Kisser (o guitarrista de heavy metal mais “arroz de festa” da música brasileira).
Um pouco menos experimental e mais cuidadoso com melodias e com o formato de canção brasileira mais “estabelecido”, Ottomatopeia é, no geral, um trabalho bastante bom. Se não é perfeito, é muito coeso, e guarda belíssimos momentos em canções como “Carinhosa” (ótima balada em parceria com Zé Renato, com bonito arranjo de violoncelos e sopros), “Atrás de Você” (rockão de riff meio anos 70/meio Cidadão Instigado) e a já citada “Caminho do Sol” (que começa meio folk, ganha força e contornos épicos com a entrada dos vocais em coro e solo de guitarra). O álbum reforça a regularidade de Otto na música brasileira e praticamente confirma sua posição como o herdeiro mais bem-sucedido do movimento manguebeat, ao lado da Nação Zumbi.