Fora do eixo Rio-São Paulo há uma força, por vezes exagerada, para que seus artistas sejam consumidos pelo restante do país, como se isso legitimasse seus esforços. Esse posicionamento ainda transmite uma perigosa mensagem ao público local: quero gente mais interessante que vocês. Decerto que as cenas locais no Brasil são pouco ou quase nada apoiadas, e motivos para isto surgem aos montes.
Um dos bons exemplos que o Rio Grande do Sul deixa aos demais estados reside justamente na força de sua cena musical. É cultural o consumo de artistas locais, logo, quando estes ultrapassam as fronteiras do estado, as coisas soam mais naturais (e por vezes mais potentes). Uma das maiores virtudes da Fauno, dos músicos Ivan Junior, Pablo Dalmaso, Vini Teixeira e Michel Elias, é acreditar na força de seus talentos e fazer músicas que sejam representativas, seja pela energia de seus riffs ou pela poesia de suas composições líricas, pensando tudo isso de forma global, sem a ânsia de dar passos maiores que a perna.
Se no single “Faroeste”, lançado em 2012, o grupo já havia chamado a atenção do público e da crítica, o EP Corona veio para sentenciar que a Fauno é um grupo plural, poético, curitibano e, acima de tudo, universal. A qualidade é facilmente notada, tanto pela harmonia equilibrada do conjunto, quanto pelas referências, que passam pelo folk, post-rock e pelo indie nacional. Há na musicalidade do grupo um tom orquestral, que alguns veículos nacionais chegaram a classificar como “influências dos ingleses do Muse”. Creio que isso vá além.
O que levou a Fauno a figurar inclusive como um destaque da música brasileira em sites como o argentino Indie Hoy (leia aqui) é essa energia que procura te levar adiante. Corona fala sobre recomeços, sobre novas oportunidades, porém, não de forma saudosista, piegas ou clichê. É como se em cada canção fossemos puxados pelo braço, para um ponto no qual a certeza de que o novo reserva coisas boas é eterna e que é nisto que devemos nos ater.
Corona fala sobre recomeços, sobre novas oportunidades, porém, não de forma saudosista, piegas ou clichê.
“Outra Vez”, segunda das cinco faixas de Corona (a primeira é apenas uma introdução instrumental de dezenove segundos), apresenta as intenções da Fauno. “Outra vez vou apagar memórias pra tentar continuar / Dessa vez não vou contar derrotas e nem ponderar” canta Ivan Junior, para pouco depois cair num pequeno solo de guitarra e partir daí para a ponte (nome dado à transição que prepara o ouvinte para o clímax da música), que prepara o retorno ao tema original da canção reverberando nos tímpanos dos ouvintes.
“Recomece” e “Veracruz” são antíteses. Enquanto a primeira é uma música urgente, rasteira e mais crua, “Veracruz” é cadenciada. Pablo Dalmaso constrói uma narrativa própria com sua guitarra na faixa, fazendo com que a parte instrumental e a lírica componham peças interdependentes de um réquiem às avessas, posto que é a celebração de uma alma repousada, porém viva e pulsante.
“Corona”, faixa homônima, encerra o EP com uma epifania. Não somos donos de nada, somos provisórios, efêmeros, mas também somos do mundo, pertencemos ao não-lugar. Analogia com a universalidade do som do grupo, que faz com que possam ser absurdamente nacionais sem perder uma vírgula de sua essência paranaense? Quem sabe. Ouça a banda e tire suas próprias conclusões. A Fauno se apresenta em Curitiba no dia 09 deste mês no Aoca Bar, ao lado dos gauchos da Doyoulike?, dos paulistas da Belize e da também curitibana Josh Making Songs.