Parece que cada geração da música tem uma espécie de artista único, impossível de rotular ou comparar. Alguém que é seminal e, ao mesmo tempo, uma união de tantos fatores que movem a música em seu tempo. Muitos desses chegam em um ponto em que simplesmente existem em um universo próprio, com suas idiossincrasias e histórias. Como descrever um disco do Radiohead, por exemplo? Oras, um disco do Radiohead é um disco do Radiohead e você sabe o que isso quer dizer. Pois bem, um disco do Frank Ocean é um disco do Frank Ocean.
E Frank Ocean é quase que uma unanimidade. Ele é uma força à parte da música atual, respeitado por praticamente todo mundo e com seus mistérios que aumentam ainda mais sua mágica. Aparece pouco, fala pouco, divulga faixas esporádicas em seu Tumblr e se comunica por lá. Depois do sucesso estrondoso do seu debut, o incrível Channel Orange (2012), o segundo trabalho de Ocean foi uma espécie de lenda urbana que rondou a música nos últimos quatro anos. Cada singela aparição dele era motivo para novas especulações sobre o disco, que inicialmente seria chamado de Boys Don’t Cry e teve a data de lançamento prorrogada tantas vezes.

Então que semana passada ele apareceu. Primeiro, um álbum visual de 45 minutos chamado Endless, com imagens dele trabalhando em um galpão no Brooklyn e tocando alguns instrumentos. A trilha sonora, uma série de canções e trechos instrumentais que fazem uma transição entre os discos anteriores e o seu novo trabalho, que surgiu na sequência como Blonde. Depois de muita espera, temos o disco novo do Frank Ocean. Temos dois discos em dois dias, temos audiovisual, temos uma distribuição através de zines em pontos específicos dos Estados Unidos. Único.
Blonde é, novamente, Frank Ocean em seu melhor. Como rapper, como cantor de R&B, como compositor, como criador, como um artista perfeccionista. Nas imagens de Endless ele aparece por longos períodos talhando pedaços de madeira, e com o mesmo cuidado de quem faz uma escultura lasca por lasca em um tronco, ele faz música. Blonde demorou anos para surgir porque Frank é alguém que tenta seu melhor o tempo inteiro e se cobra por isso.
São 17 faixas que flutuam entre estilos com a velocidade de uma manhã preguiçosa depois de uma noite que terminou tarde demais. Channel Orange acontecia durante essa noite, Blonde é o dia seguinte.
Ele é real, não é um personagem como Kanye West ou popular como Drake. Frank Ocean é sensível e expõe toda sua insegurança na música. Suas ambiguidades e seus medos. Sua bissexualidade presente até na sutileza do título, que às vezes usa “blond” (adjetivo masculino) e às vezes “blonde” (adjetivo feminino). Ele fala sobre drogas, sobre sexo e amor com homens e mulheres, sobre passado, sobre noites que parecem não terminar nunca e relacionamentos – perdidos ou não.
Blonde tem pouquíssimo de rap, é muito mais soul e R&B introspectivo. Tem menos batidas que a maior parte de Channel Orange, é quase minimalista em alguns pontos. É diferente de tudo na música atual, mas bebe da fonte de outros criadores peculiares da atualidade. As colaborações são fortes, em uma lista que passeia entre James Blake, Bon Iver, Beyoncé, Kendrick Lamar, André 3000, Tyler the Creator e Jonny Greenwood (do Radiohead).
https://www.youtube.com/watch?v=8Um-nkNnN9g
Ao mesmo tempo em que Ocean é vanguardista, ele não deixa suas inspirações para trás. Na reta final do disco faz um cover de “Close to You”, de Stevie Wonder, e em Endless grava sua já conhecida versão angelical de “(At Your Best) You Are Love”, dos Isley Brothers (mais famosa na versão de Aaliyah).
Blonde começa com muitas distorções (demora alguns minutos para ouvirmos a voz de Ocean em “Nikes”, a faixa inicial), mas faz isso para dar ainda mais destaque à voz do músico. Frank Ocean sempre cantou bem, era um rapper com timbre de gênio da black music, mas aqui está em um novo nível. “Self Control” é o ponto alto das belas canções do disco, enquanto “Solo” e “Nights” trazem ritmos mais parecidos com o disco anterior. Batidas leves, letras inteligentes, fluxo bom. São 17 faixas que flutuam entre estilos com a velocidade de uma manhã preguiçosa depois de uma noite que terminou tarde demais. Channel Orange acontecia durante essa noite, Blonde é o dia seguinte.
https://www.youtube.com/watch?v=rVHN5sos7HQ
Frank Ocean é um cara verdadeiro. Em “Futura Free”, a faixa derradeira do disco, ele canta sobre sua vida, sobre o que conquistou nos últimos anos. Sobre quando ganhava alguns dólares por hora e como chegou aqui, sobre achar estranho pagarem por sua música, afinal ela é a sua terapia. “I should be paying them”, diz antes de cravar “I’m not a god, I’m just a guy”.
A forma como Ocean encantou todo mundo com seu último disco, e até a qualidade da sua mixtape de estreia, lá em 2011, não deixaram ninguém achar que ele ainda tinha que provar algo. Frank Ocean entrou no mundo da música pronto e Blonde é mais uma prova disso. É seu segundo disco de estúdio, mas já tem espaço entre os melhores do ano e da década. É Frank Ocean, é único, é belo e puro até o osso.