Nós ouvimos e lemos por aí: “fiquem de olho em Liniker, ela será grande”. Vimos vídeos no YouTube, entrevistas, elogios que não acabam mais. A gente até acha, lá no fundo, que o negócio é um pouco exagerado. Mas quando os Caramelows entram no palco, o público começa a sentir algo esquisito. O show é num teatro e já está todo mundo de pé? Não há uma pessoa que não esteja vidrada, aplaudindo quase que incessantemente. O que está acontecendo? De repente, Liniker entra com seu vestido branco, bota marrom e colares delicados. Bastam alguns segundos, não mais do que isso, para entender o porquê de Liniker deixar todo mundo de boca aberta por onde passa. Ao começar “Remonta”, o público já está conectado. Chegava a ser engraçado. Os olhinhos brilhavam. De Liniker e do público.
Essa conexão permaneceu estável durante todo o show de lançamento do primeiro álbum de Liniker e os Caramelows – Remonta, leia a crítica do disco aqui -, apresentado na Ópera de Arame, em Curitiba, no último sábado. Cantando todo o repertório do disco, Liniker mostra uma força no palco e uma técnica como se já fizesse isso há muitos anos. Não há aquele pretensiosismo visto em novos cantores que alçaram a fama rapidamente. Em Liniker tudo flui naturalmente. Não há estranheza, tudo faz sentido e nada é errado. Trazendo um discurso desconstruído, mandando para o inferno qualquer tipo de preconceito, gênero ou julgamento, Liniker é gentil com sua platéia. Recebe os merecidos aplausos, conversa com naturalidade, convida todos a caírem na dança, identifica amigos, chama para dançar, faz pausas durante os canções que fazem o público ir ao êxtase. Tudo recheado de um carinho palpável. Era como se todos fossemos abraçados.

As pessoas ficam em estado de graça. Parece exagero, mas não é.
E se a maioria das músicas convida o público a dançar em uma festa cheia de empoderamento, são nas canções mais intimistas que Liniker emociona. Não era difícil encontrar pessoas a ponto de caírem no choro, pessoas caindo no choro, pessoas abraçando seus pares e beijando na boca e pessoas simplesmente paralisadas. É que fica complicado se manter impassível durante versos lindos, simples e diretos como “Você tem flores na cabeça e pétalas no coração / Tem raízes nos olhos, excitação / Acalanta meu coração”, embalados pela voz ora grave, ora aguda de Liniker, que se conecta com suas letras em todos os momentos. Não há nada mecânico, mentiroso ou falso. Em um dos momentos mais bonitos, o belíssimo palco da Ópera de Arame se abre, revelando um imenso espaço com um jardim ao fundo. Liniker passeia por ele, enquanto as pessoas ficam em estado de graça. Parece exagero, mas não é.

E é lindo observar como Liniker respeita sua história. Canta uma música dedicada à sua mãe (“Calmaria de mulher que ela tem / que ela dá / Minha preta, como eu gosto de te amar”). Encontra uma amiga na platéia, trocam olhares e gestos sem dizer uma palavra, mas nós entendemos. Bichas, pretas e pobres, eles conseguiram. Aos seus amores (os poucos que deram certo e os que não deram), Liniker canta com suavidade, mas sempre com força (“Mas você vai implorar / Vai pedir pra me ver / Confessar que não vive sem mim / Vou apenas te olhar e dizer, meu bem, eu sei”).
E se Liniker assume o microfone poderosa, ela jamais esquece seus Caramelows, que têm tanto destaque quanto a cantora. Formado por Rafael Barone (baixo), William Zaharanszki (guitarra), Pericles Zuanon (bateria), Márcio Bortoloti (trompete) e Renata Éssis (backing vocal), os Caramelows ainda recebem o reforço de Marja Nehme (percussão), Fernando TRZ (teclado) e Eder Araújo (sax e flauta). É com Renata Éssis que Liniker compartilha a maioria das músicas. E neles há tanta cumplicidade que é impossível não sorrir enquanto os dois performam da primeira a última música.

No fim, fica um pouco difícil entender o que ocorreu na noite de sábado. Claramente o público presenciou um dos artistas mais impressionantes dessa geração – não é exagero dizer que Liniker e Johnny Hooker são a extensão do importante trabalho que Ney Matogrosso começou nos anos 70. Mas o que foi visto é mais do que técnica, canto, talento artístico. Liniker é resistência, é um amor não correspondido, é a saudade, é a dor, é a alegria, é confusão, é bagunça, é organização, é melancolia, é força, é resiliência, é luta. É um carinho que não acaba mais. Liniker merece todos os aplausos infindáveis do público.