Latino-americanos somos todos nós, ainda que algumas particularidades da nossa cultura no Brasil, como o idioma, por vezes, possam nos afastar de um certo sentimento de pertencimento ao restante do continente. É com esse pensamento em mente que alguns grupos brasileiros vêm incorporando elementos desta vasta e rica cultura para criar sua música e cantar sobre nossas questões, numa junção entre a realidade local e a cultura continental. É o caso da banda porto-alegrense La Digna Rabia, que, com todo ritmo e toda energia do som latino, faz da música um ato político e de resistência.
“A inspiração vem daquilo que no universo latino é conhecido como música mestiça, que funde gêneros tradicionais da música popular e folclórica latino-americana com outros mais associados ao universo rock. Sem esquecer que os ritmos jamaicanos, por sua origem caribenha, também podem ser considerados parte do universo musical latino-americano”, explica Marcelo Argenta, vocalista e um dos três músicos que fundaram o grupo em 2010.
Inicialmente, o objetivo era tocar covers de bandas de origem hispânica e que tivessem um discurso combativo. “O estilo era predominantemente ska, em sua vertente ska-core ou punk rock de raiz. Montamos uma lista de covers onde apareciam nomes como SKA-P, Skalariak, La Polla Records, além da banda que é influência comum para todas as bandas que giram em torno a essa combinação de temas e estilos, The Clash”, conta Argenta. Hoje, a banda já consolidou um repertório autoral que movimenta não somente evento culturais, mas também atos públicos e mobilizações na cidade.
‘Os artistas que nos inspiram são aqueles que entendem que a arte é também parte da construção política de uma sociedade mais justa.’
Além do vocalista Marcelo Argenta, a banda ainda tem na sua formação o baterista Tharcus Aguilar (outro membro remanescente da formação original), Hiro Okido (guitarras), Igor Symanski (baixo), Gabriel Luzzi (trompete), Pietro Duarte (saxofone) e Tavinho (percussão). À medida que os nomes foram entrando na banda, o projeto foi incorporando novas influências e sonoridades, como a cumbia, o reggae e o hardcore, sem perder de vista o objetivo de tocar em questões atuais da realidade brasileira e latino-americana.
“Desde o princípio, a música e a política andaram juntas na formação e evolução da banda. Os artistas que nos inspiram são aqueles que entendem que a arte é também parte da construção política de uma sociedade mais justa. Assim, acabou sendo natural que essas temáticas fossem ganhando corpo e expressão no repertório da banda”, explica o vocalista.
Ao longo desses oito anos de trajetória, já são quatro trabalhos de estúdio. Em 2012, veio o primeiro registro, com um EP de cinco faixas que leva o nome da banda. No ano seguinte, foi a vez de lançarem outras cinco canções no EP Conexión Chiapas. O primeiro disco completo chegou em 2016. Intitulado Conjunto Musical La Digna Rabia Y El Increíble Baile Calavera, o trabalho reúne doze composições e chama atenção, já no título, para uma das marcas da banda: os bailes que reúnem inúmeros adeptos.
Agora, em 2018, eles lançaram o EP Ni Olvido, Ni Perdón, que reúne a produção do grupo desde o lançamento do disco de 2016. O título faz alusão ao lema levantado por movimentos de direitos humanos de países que passaram por períodos ditatoriais com o objetivo de destacar a importância de não esquecermos o passado e seus erros. O registro é composto por cinco faixas que expandem o universo sonoro da banda ao trazer elementos do jazz, do reggaeton e do rap. “Para nós, ele representa um amadurecimento do ponto de vista da composição, uma vez que são cinco canções que transitam entre gêneros bastante distintos entre si, mas compondo um retrato do que são as influências e as inspirações da banda”, analisa Marcelo.
Em comum entre todos os quatro trabalhos, está a multiplicidade de ritmos, temas e histórias de um continente inteiro. Ouvir o som da banda é embarcar em uma viagem musical que nos movimenta, nos tira do lugar, ao mesmo tempo em que nos situa, que nos localiza e que nos põe em contato com aquilo que temos em comum, e ao mesmo tempo único, enquanto latino-americanos.
Há anos atrás, em minha primeira aula no curso de Jornalismo, lembro de ouvir que “saber quem fomos confirma quem somos”, frase do historiador David Lowenthal. A música e a arte no geral têm provado o quanto essa afirmação é verdadeira e o quanto a busca de uma identidade presente começa pela compreensão do nosso passado. Que sigamos nos descobrindo.
NO RADAR | La Digna Rabia
Quando: 2010;
Onde: Porto Alegre, RS;
Contato: Site Oficial | Facebook | YouTube | Instagram
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