Houve uma fase em que os novos artistas brasileiros pareciam ostentar um certo orgulho em negar uma pretensa “brasilidade” na sua arte. Fugiam das referências clássicas da MPB dos anos 60 e 70 como o diabo foge da cruz. É fato que cada nova geração surge com elementos ligeiramente antagônicos em relação às passadas, é próprio da arte, mas neste caso havia uma dose de preconceito mascarada por uma vergonha em ser o que se é.
Como a arte é cíclica, não demorou muito para que essa barreira fosse transposta e vivêssemos um novo período de reencontro com elementos enraizados na música brasileira. Por sorte, parece um movimento sem volta, pois desde o início dos anos 2000 que ele está por aí, sendo ressignificado de diferentes maneiras em cada pedaço de chão desse país de dimensões continentais.
Nomes como Sérgio Sampaio, Walter Franco e Jorge Mautner vêm ganhando espaço e deixando o rótulo de incompreensão com o qual foram taxados, enquanto ganham novos contornos, cores e alma ao encontrarem Belchior, Ednardo, Ney Matogrosso e outros ícones na construção de bagagens de influências para essa nova leva de artistas, mais plurais e complexos do que julga nossa vã consciência. Exemplo disso é o trabalho de Manoel Magalhães, Consertos em Geral.
Primeiro álbum completo da fase solo do músico carioca, Consertos em Geral é reflexo desse ambiente múltiplo, diversificado e matizado. Integrante de grupos como Polar, Harmada e Columbia, Manoel Magalhães participou do lindo tributo Ainda Somos os Mesmos, iniciativa do portal Scream & Yell em homenagem a Belchior, à época ainda vivo. De sua versão para “Velha Roupa Colorida”, o músico pegou para si doses da poética do cantor cearense.
Primeiro álbum completo da fase solo do músico carioca, Consertos em Geral é reflexo desse ambiente múltiplo, diversificado e matizado.
Manoel e seu disco também possuem essa verve de cronista do cotidiano que caracterizou fases da obra de Belchior, bem como a capacidade de direcionar seu olhar para as relações sobre diferentes vieses, encontrando a si no outro, seja no vazio, na ausência ou nos resquícios de amor que plantamos e sobrevivem nos outros – muito provavelmente na memória ou no reflexo do que já fomos um dia. Essa verborragia poética de Consertos em Geral é rara, e por isso tão valiosa.
Dentre tantos talentos, Manoel investe na forma acessível e ao mesmo tempo labiríntica de tratar sensações pertencentes a todos, mas que em suas composições dão a verdadeira dimensão do talento que certos artistas têm de traduzir afetos. Esta é a singularidade de Consertos em Geral. Uma singularidade que, para nossa sorte, fomos escolhidos por ele para sermos cúmplices e testemunhas – na mesma medida.
NO RADAR | Manoel Magalhães
Onde: Rio de Janeiro, RJ;
Quando: 2014;
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