Talvez seja difícil explicar para um jovem nos dias atuais a relação que algumas gerações têm com o vinil, LP ou bolachão – a nomenclatura, convenhamos, tanto faz. A volta deste artigo que, verdadeiramente, nunca nos deixou é um bom indício do valor simbólico do LP. Até hoje dificilmente sai da minha memória um dia, no início dos anos 1990, em que destruí quase todos os LPs que meu pai possuía. Pois é, destruí. Atualmente, quando surge uma nova tecnologia, site, aplicativo, ferramenta, apenas dizemos que a anterior ficou obsoleta e, bem, vida que segue. Décadas atrás, a relação era diferente – ou a minha foi, vai saber.
Quando o CD começou a se popularizar em âmbito mundial, os discos começaram a ficar escassos nas lojas. Não que tivessem parado de fabricá-los, apenas os grandes magazines davam preferência à venda de CDs, afinal, lucravam um pouco mais. Estamos falando do início dos anos 1990, boa parte do que chegava ao Brasil era trazido de fora, o Real ainda não havia se tornado a moeda oficial do país, logo, um CD custava muito.
O efeito midiático das informações na era pré-internet era muito diferente. Por isso, o LP havia se tornado uma espécie de bruxa e precisava ser queimado no fogo ardente do inferno – neste caso, apenas virar um “disco voador” para ser arremessado. Foi assim que discos do Chico, Mercedes Sosa, Milton Nascimento, Gênesis, The Beatles, Pink Floyd e Dire Straits se espatifaram na Rua Germânia, nº 721. Sim, eu me arrependo disso.
Passados muitos anos, o vinil criou uma relação nostálgica com seus possuidores (ou com quem tenha vivido aquela época). Alguns são defensores de que havia nestes maior qualidade; outros realmente fazem do disco uma recordação de tempos que não voltam mais; e há também quem esteja nessa vibe apenas pelo hype. A verdade é que o vinil não é necessariamente melhor que o CD ou o MP3.
As gravações do LP eram analógicas, desta forma, não há muita perda entre o que é gravado e sua reprodução, ou seja, o som parece ser mais encorpado, já que apresenta maiores detalhes e os graves ficam mais aparentes. Entretanto, o alcance dinâmico (a diferença entre a nota mais alta e a mais suave) é limitado no bolachão, ou seja, se as notas das canções forem muito altas, a agulha tem dificuldade de reproduzir, o que contribui para que hajam distorções significativas na sonoridade das faixas.
No final das contas, ouvir um vinil é um acontecimento, um evento social. Se você tem um toca-discos, provavelmente se dedica mais a ouvir as canções, repara mais nas notas e no todo, afinal, aquela tossida do seu cantor, o barulho de uma baqueta rachando ou o pigarro do vocalista estarão presentes.
SISTER RAY E O “MINHA LOJA DE DISCOS”
O canal a cabo BIS criou um programa focado em apresentar lojas icônicas espalhadas através do mundo. Minha Loja de Discos já está na terceira temporada e alguns dos templos para amantes de LPs já passaram por lá. Entre eles, a londrina Sister Ray, uma loja com duas unidades na capital inglesa (uma no Soho e outra no distrito de Shoreditch).
A Sister Ray é literalmente um templo para amantes da música (e, logicamente, apaixonados por vinis). É possível encontrar desde lançamentos (sim, no restante do mundo a produção de vinis também tem apresentado crescimento) a discos de segunda mão com preços acessíveis, de vários gêneros musicais, de Abba a ZZ Top.
No final das contas, ouvir um vinil é um acontecimento, um evento social.
Phil Barton, o dono da loja, conta em um episódio que a abriu no meio da década de 1980. Por ser uma loja independente, isso torna a relação dele com seus consumidores mais próximas: um dos vários pontos que pesam a favor do vinil é justamente a compreensão do que está sendo vendido. Acredite, faz toda diferença.
O Soho, onde está localizada a principal loja de sua rede, é um dos epicentros da música na Inglaterra. A foto da capa de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, disco de David Bowie, foi tirada por lá. É costumeiro, ainda, que bandas façam shows na loja ou simplesmente apareçam lá atrás de uma nova aquisição. Já imaginou? Haja história.
TROPICÁLIA DISCOS
Apesar de São Paulo ser conhecida como a meca nacional das lojas de vinis, é no Rio de Janeiro que fica um dos lugares mais preciosos do país para qualquer amante de música (e de LPs).
A Tropicália Discos fica próximo da Praça Olavo Bilac, no Mercado das Flores, no centro da capital carioca. A loja em dimensões não é verdadeiramente grande, mas ao passar por sua porta de vidro é impossível que seus olhos não brilhem: do chão ao teto, são alguns metros quadrados repletos de muitas preciosidades esperando sua garimpada. É literalmente possível passar um dia todo de viagem à cidade maravilhosa apenas dentro da Tropicália Discos. Comprar, bem, aí já é outra história.
Um de seus ilustres clientes é o músico Ed Motta. Motta, por sinal, chegou a gravar um especial para a companhia aérea TAM apresentando a loja de discos. Em suas estantes (e no chão), você encontra de rock ao jazz, de soul a bolero, de milongas a música caipira. Nada escapa das prateleiras da loja de Márcio, o dono da Tropicália Discos. São mais de 30 mil itens.
E HAJA VINIL
No ano passado, a RIAA, associação que representa as gravadoras dos Estados Unidos, anunciou que a receita fruto da publicidade de serviços online de música havia atingido a marca de US$ 163 milhões no primeiro semestre deste ano. Enquanto isso, a venda de vinis rendeu US$ 222 milhões. Depois de anos de quedas e fechamentos de empresas produtoras de LPs, 2015 já apresenta números 42,8% superiores ao do último ano.
No Brasil, o relatório anual da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) mostrou que o vinil é a única forma física que não apresentou queda nas vendas em 2014. A Polysom, única fábrica em atividade na América Latina, e que chegou a fechar as portas em 2007, apresentou um crescimento de 63% em suas vendas. Para 2015, a expectativa é um crescimento de 80% no número de vendas.
Haja nostalgia. E haja vinil.
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