Durante algum tempo não se anunciava que se ouvia Cocteau Twins. A confissão era realizada de forma tímida, singela, como que baixinho ao pé do ouvido. A sonoridade distinta, lúdica e melancólica, retratada pela crítica britânica como “trilha sonora de sonhos”, apontava para ousados e novos caminhos que a música post punk, aquela também denominada como gótica ou dark, proporcionaria.
Formada na Escócia, em 1979, o Cocteau Twins durou quase duas décadas e sempre apresentou sonoridade distinta com teores enigmáticos, doces e sombrios resultando em um complexo e difícil resultado musical pouco indicado para ouvidos menos atentos ou pouco exigentes.
A música do trio escocês não admite uma escuta simplesmente passiva: há necessidade de disposição do ouvinte para ouvir e reouvir as canções e assimilar aos poucos as camadas e texturas que o Cocteau Twins apresenta. A primeira reação ao se ouvir o grupo é geralmente de estranheza.
Os tons baixos, a bela e intrigante voz de Elizabeth Fraser entoando letras paulatinamente indecifráveis, e o talento de Robin Guthrie e Will Heggie em criar bases e melodias sidéreas e inefáveis conferiram ao grupo o título de precursores dos estilos ethereal e dream pop.
Os tons baixos, a bela e intrigante voz de Elizabeth Fraser entoando letras paulatinamente indecifráveis, e o talento de Robin Guthrie (guitarra) e Will Heggie (baixo, depois substituído por Simon Raymonde em 1983) em criar bases e melodias sidéreas e inefáveis conferiram ao grupo o título de precursores dos estilos ethereal e dream pop.
Todas estas características condensam-se de forma sublime no terceiro registro do trio, Treasure, de 1984. Engrossando o coro de críticos que consideram o título do álbum muito bem apropriado, reconheço que ouvir Treasure (tesouro) é uma experiência musical única.
A capa do disco é magistral, aliás, fato recorrente em todos os outros registros do trio. Todas foram produzidas pelo estúdio de artes e design 23 Envelope, que ganhou notoriedade ao produzir as capas de quase a totalidade dos projetos da gravadora 4AD, a que pertencia o Cocteau Twins.
“Ivo” abre a obra. Obscura e hipnotizante, a canção em homenagem ao presidente da 4AD demonstra maturidade e elaborada musicalidade, afastando-se dos ruidosos trabalhos precedentes pautados com mais afinco no post punk.
E assim segue o trabalho, “Lorelei” é delicada e sensível, “Persephone” é intrigante e complexa. E se você for atento, provavelmente percebeu a influência mitológica nos nomes destas canções. A mitologia, em especial a celta, influenciou bastante o Cocteau Twins, do Treasure em diante, em nomes, conceitos e termos utilizados nas letras.
Um trabalho tão complexo, intrincado e com tantas camadas deve ser degustado com uma atenção ritualística, quase que espiritual. Não é o tipo de música que se ouve antes de ir beber com os amigos ou em uma festa animada. Pelo contrário, o som do Cocteau Twins, e em especial ‘reasure, deve ser contemplado de forma introspectiva, mas imersiva. É o tipo de música que se ouve sozinho, e te convida a transcender para lugares desconhecidos e inexplorados. Se você não recusar o convite, pode ser presenteado por experiências potencialmente significativas.
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