E quando o tédio te domina? Em seu poema “O Enterrado Vivo”, Drummond retrata uma pessoa que vive em angústia devido a infelicidade pelo modo como sua vida caminha. O mineiro de Itabira traz ao leitor a angústia, a indecisão e um certo sofrimento. Caravan, EP de estreia da Loladéli, power trio de Londrina, formado por Cristiano Ramos, Victor Polizel e Pedro Dutra, esmiúça um certo olhar ao tédio causado pela monotonia, pela morosidade de uma vida que pouco se esforça em oferecer saídas.
O disco reflete, tal qual o poema de Drummond, um estado de hipersensibilidade, alguém que se espanta com os obstáculos que a vida impõe. Contudo, a diferença primordial para o texto de Drummond é que o eu-poético da Loladéli procura lutar. Ainda que o mundo pode ser um lugar por vezes inóspito e pouco acolhedor, o power trio se esforça, através de riffs que evidenciam as diferentes camadas referenciais do grupo, em desenvolver uma espécie de tentativa de transformação, uma viagem sem rumo no espaço-tempo, como próprio grupo define.
O álbum começa exatamente na vibe do poeta mineiro, com o grupo exaltando uma morte momentânea, uma metáfora para o engano que a vida causa, um grito seco contra o tédio. “Morro todo dia pra poder viver em paz”, canta Cristiano em “Morro Todo Dia”, faixa que abre Caravan. É como se a voz que ecoa estivesse sob a sensação da derrota. Há uma certa ironia, entretanto, quando confrontamos letra e música. As doses de distorções, entrepostas com o wah-wah e uma linha de baixo despejando grooves, cria uma experiência sonora reflexiva e não triste.
“Monotonia de Segunda” evoca, justamente, essa reflexão trazida pela primeira canção. “Não dá pra esperar demais, tem muita coisa pra resolver nesse meio tempo que me deram pra descansar, refletir um pouco sobre o que eu tenho que fazer”. A Loladéli joga, ainda que nas entrelinhas, com um posicionamento contrário à urgência do cotidiano, à pressa para o nada, onde “não dá pra levar a sério esse lugar”. Num ritmo blues-psicodélico, a faixa é, juntamente com “Artista Desconhecido”, a mais forte lírica e musicalmente.
A Loladéli joga, ainda que nas entrelinhas, com um posicionamento contrário à urgência do cotidiano, à pressa para o nada.
Por sinal, “Artista Desconhecido” resgata um exercício metalinguístico, a música falando da música. O que é ser desconhecido no circuito musical? Como evitar as barreiras do oceano criado pela internet, que aproxima e afasta quase que na mesma proporção? Excesso de ironias necessárias a um meio que insiste em crer que a exposição é uma forma justa de retribuição. É possível determinar o valor da arte?
“Meia Palavras” é a canção mais equilibrada do disco, onde fica mais nítido o esforço de conjunto, e na qual o trabalho de Victor Polizel, baixista da Loladéli, consistente em todo Caravan, fica mais evidente, fazendo contraponto aos riffs distorcidos de Cristiano Ramos. É, também, a música mais performática de todo grupo, seja nas viradas e na condução de Pedro Dutra, seja no bridge da dupla dos instrumentos de cordas na parte que conduz a música para seu ponto de encerramento.
Encerrando o disco, “Fácil de Afumar” vem com o riff mais interessante e pesado de Caravan. Nela, as influências do grupo, como Queens of the Stone Age e Them Crooked Vultures, ficam muito mais nítidas. Sem soar pretensioso, o trabalho mantém-se homogêneo e, ainda que não haja nenhum ápice sonoro, a musicalidade não rotulada do grupo, que distribui bem suas referências sem tropeçar no ímpeto de imprimir o gosto musical de seus integrantes em todas as faixas – o que gera esquizofrenia em alguns discos de novas bandas –, é fator positivo e a ser explorado em novos trabalhos.